São Paulo, segunda-feira, 19 de dezembro de 1994
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Preto-de-luto seria melhor do que azul

MARCELO FROMER; NANDO REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Chegamos ao final de mais um Campeonato Brasileiro e também chegamos bem perto do caos.
No segundo semestre, pudemos assistir toda a sorte de barbaridades cometidas por árbitros, dirigentes, técnicos, torcedores e até mesmo jogadores. Mas não esperávamos que justamente na semana da final ainda pudéssemos conhecer uma outra modalidade de agressão à lógica que nos foi fornecida e ensinada pelos tribunais, na calada dos corredores dos escritórios de advocacia e nas entrelinhas dos códigos de legislação do esporte.
Durante o meio da semana estivemos diante de um grande e tenebroso paradoxo: quando tomar o terceiro cartão amarelo se transformou numa falta mais grave do que o próprio vermelho seguido de expulsão.
O fato é que tivemos um curioso episódio muito significativo sobre a relatividade das leis do nosso esporte. Quando um jogador toma o terceiro amarelo, ele está imediatamente suspenso como se fosse o vermelho. A diferença maior é que o terceiro amarelo não exclui o atleta imediatamente do jogo enquanto o vermelho o faz e, mais ainda, leva o atleta a julgamento.
E aí abre-se a brecha. Entram em campo as assombrações jurídicas, os gasparzinhos legais e conseguem um tal efeito suspensivo dessa pena (a suspensão imediata por um jogo de quem tomou o vermelho) e por instrumentos legais esdrúxulos conseguem fazer com que o atleta que levou o tal vermelho não tenha que cumprir essa pena e possa entrar em campo.
Se essa moda pegar, imaginemos o que pode vir a acontecer. Seja o que Deus quiser.
Suponhamos que o nosso vigoroso zagueiro tenha dado uma violenta entrada no tornozelo do lépido centroavante no primeiro lance da partida. O atento e correto árbitro aplica sem pestanejar o cartão amarelo. Vitória do rigor, o ríspido zagueiro, que já possuía dois dos amarelos, agora adquiriu o terceiro. O astuto zagueiro, devidamente orientado pelo departamento jurídico, se comporta, então, como uma ovelha felpuda durante o resto do jogo e no último lance usa seus instrumentos de cutelaria e com um único golpe nocauteia o centroavante. Cartão vermelho!
Mas, graças ao efeito suspensivo, o nosso vigoroso zagueiro poderá retornar a campo para a sua importante partida, enquanto o atacante aguardará as benesses dos remédios com os músculos no estaleiro. O cartão vermelho anulou os três amarelos! Se a coisa já está assim com apenas duas cores de cartão, imaginem quando entrar em ação o cartão azul.
PS. Gostaríamos de agradecer publicamente a todos que enviaram simpaticamente as suas cartas para desvendar o enigma indecifrável e que por motivos alheios à nossa vontade não pudemos publicá-las. Muito obrigado.
Marcelo Fromer e Nando Reis são músicos da banda Titãs

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