São Paulo, terça-feira, 20 de dezembro de 1994
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John Wayne desce aos infernos

INÁCIO ARAUJO

Em seu 1.001 noites no Cinema, Pauline Kael descreve "Rastros de Ódio" (Globo, 0h) como um filme "formal e afetado". Ela chama a atenção para a porta que emoldura o Ethan Edwards (John Wayne), que seria uma das marcas dessa afetação.
É um ponto de vista idiossincrático e, ao longo de seu texto, a crítica norte-americana não cansa de atribuir ao filme o que julga defeitos do personagem, tais como ser grosseiro e machista.
Ethan também é racista: detesta índios e, se agride em tempo integral Jeffrey Hunter –o jovem que o acompanha anos a fio na busca da sobrinha sequestrada pelos índios– é porque ele é um mestiço.
Bem, Etham não é um cavalheiro de salão. É um ser amargo, um solitário completo, cuja única ligação no mundo são as pessoas massacradas durante sua ausência.
Todo o seu trajeto -de uma obstinação exemplar - consiste em buscar as marcas vivas de seu sangue, sua ligação no mundo.
O que parece desagradar especialmente a Kael é um aspecto evidente: embora Ethan seja John Wayne, está muito longe de se assemelhar a qualquer coisa que se passa chamar de heroí.
E um dos méritos de John Ford no filme é justamente introduzir na mitologia do Oeste esse homem com muito mais fraquezas de que virtudes.
De certa forma, seu "heroísmo" consiste em ir ao extremo da vida, descer ao inferno de si mesmo e voltar com uma centelha de vida, em transformar o negativo em positivo, a morte em vida.
É um filme que se afasta dos padrões hollywoodianos, de seus clichês, em cada imagem. E que também parece apontar os limites do método crítico de Pauline Kael: o conteúdo nem sempre está onde finge estar.

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