São Paulo, sexta-feira, 23 de dezembro de 1994
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O alerta mexicano

O fim da trégua entre guerrilheiros zapatistas e o governo do México esta semana fez mais do que trazer o espectro de novos confrontos e mortes ao país, o que já seria suficientemente trágico. Serviu também de estopim para um vagalhão econômico que abalou a credibilidade no ajuste mexicano e cujos efeitos já se fazem sentir em vários outros países, inclusive o Brasil.
Ao expor as profundas desigualdades que rasgam o país tido como modelo latino-americano, a nova rebelião veio ressuscitar nos investidores internacionais o temor de instabilidade política –fator indicado em recente pesquisa da consultora Ernst & Young como o que mais assusta o capital externo.
Mas se a revolta acendeu o pavio político da crise, o combustível econômico foi dado pela grande inquietação que já existia com relação ao déficit comercial (de cerca de US$ 20 bilhões), a uma suposta sobrevalorização do peso e à instabilidade potencial de uma economia que depende de voláteis recursos financeiros para cobrir seus rombos. Nas últimas seis semanas, US$ 5 bilhões saíram do país e as reservas baixaram sensivelmente.
A pressão contra o peso nos últimos dias foi tal que nem depois de uma desvalorização de 15% o governo foi capaz de defendê-lo. Com as reservas minguando, as autoridades preferiram abandonar de vez a política cambial do programa de estabilização implantado em 1988 e adotaram a livre flutuação.
O sistema de bandas fixas, com limites corrigidos de forma prefixada, criava uma previsibilidade cambial favorável à entrada de capitais. Sem esse balizamento, o peso despencou cerca de 40% em três dias.
Essa desvalorização afeta o cerne da estabilização, já que produtos importados mais caros pressionam a inflação. Cientes do perigo, governo, empresas e sindicatos adotaram ontem um congelamento de 60 dias, que parece já começar sem muita consistência.
O temor com relação à solidez econômica do México atinge diretamente outros países da área. Prenúncio dessa bola-de-neve psicológica, as bolsas caíram sensivelmente no Chile, na Argentina e no Brasil (embora aqui outros fatores tenham contribuído). Mais grave, a crise lança dúvidas sobre a estabilização nesses países e pode reduzir o fluxo de recursos para a região.
Para o Brasil, essa maior cautela internacional vem num momento em que vários projetos do futuro governo dependem de capitais externos. O impacto efetivo do abalo mexicano, porém, ainda não pode ser previsto. É possível que aos poucos os investidores comecem a diferenciar países mais ou menos seguros e atraentes.
A crise, de todo modo, já coloca em xeque o modelo de ajuste ancorado no câmbio e no setor externo, ao mesmo tempo em que alerta para o risco de acreditar que a estabilização e o crescimento econômico naturalmente bastam para resolver a miséria e a exclusão social.

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