São Paulo, sexta-feira, 23 de dezembro de 1994
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Melhorar o funcionamento do Congresso

ANTONIO KANDIR

Por não esconder os problemas, apontar os desafios e indicar rumos com clareza, o pronunciamento do presidente eleito, feito na semana passada no Senado, reforça a percepção de que seu governo vai inaugurar um novo ciclo econômico e político no Brasil.
Os desafios fundamentais são conhecidos. Fernando Henrique mencionou-os um a um, com ênfase para as inadiáveis reformas da Constituição. Para que se passe da intenção à prática, porém, deve haver condições de processar adequadamente as mudanças constitucionais decisivas.
No que nos toca como membros do novo Congresso, trata-se de prepará-lo para essa tarefa, como para outras que devem se seguir no processo contínuo de mudança que o Brasil reclama.
É claro que a melhoria do Congresso depende das reformas partidária e eleitoral. Mas também no nível "interno" ao Congresso são urgentes as mudanças.
Com o retorno à democracia, o Congresso felizmente voltou a ter importância nas decisões políticas do país. Guarda, no entanto, muitos arcaísmos e deficiências que precisam ser superados.
Frente a esse diagnóstico, a bancada de deputados federais eleitos do PSDB tomou decisão, em reunião realizada no último dia 14 em Brasília, de apresentar uma proposta de melhoria da organização e funcionamento do Congresso.
A proposta visa três objetivos maiores e interligados: 1) emprestar organização, disciplina e previsibilidade adequadas aos trabalhos parlamentares; 2) permitir maior controle da sociedade sobre o Congresso, do Congresso sobre si mesmo e do Congresso sobre o Executivo; 3) como corolário, melhorar a qualidade dos debates e das decisões do Poder Legislativo.
Encarregado pelos deputados federais eleitos do PSDB de colaborar na elaboração de uma proposta preliminar, a ser submetida à deliberação da bancada, produzi texto cuja versão reduzida vem abaixo, para o exame e crítica da opinião pública, fórum apropriado para o debate das questões nacionais.
I – Processo legislativo
1) Fortalecer os trabalhos das comissões permanentes, deixando o trabalho de plenário restrito à deliberação de matérias que combinem três atributos: a) decisão problemática; b) relevância; c) urgência. Em uma palavra, o plenário deve ser o espaço das deliberações tipicamente críticas.
2) As atividades de plenário e das comissões permanentes deverão ser realizadas com base em agendas de trabalho estabelecidas trimestralmente, com atualização mensal, de modo a assegurar organização eficiente do funcionamento da Casa e garantir adequada preparação para os debates.
3) Estabelecer norma rígida e racional para apresentação de iniciativas parlamentares, de maneira a evitar tanto o congestionamento dos trabalhos de apreciação, como também a aprovação de medidas legais sem possibilidades reais de implementação.
As iniciativas parlamentares devem apresentar, entre outros elementos, previsões claras quanto a custos de implementação, avaliação de impactos legais e operacionais, indicação de pertinência às competências da União. Para efetivação dessas diretrizes, deve se constituir uma comissão de triagem.
4) Estabelecer prazos rígidos para tramitação das matérias legislativas. Findos esses prazos, a matéria entraria em deliberação imediata.
5) Redução do tempo para comunicações verbais em plenário, com utilização de outros meios mais eficazes, de base impressa e eletrônica, preservando o tempo de plenário para a deliberação de matérias tipicamente críticas.
6) Deve-se destinar uma semana por mês para os trabalhos de plenário, semana essa em que os trabalhos das comissões serão suspensos (à exceção de casos excepcionais, previstos expressamente em regimento).
7) Criação de uma comissão especial para avaliação do estoque existente de iniciativas legislativas, de modo a promover a eliminação do "entulho legislativo".
8) Criação de uma comissão de avaliação de admissibilidade de procedimentos de urgência e urgência urgentíssima.
9) Estabelecimento de uma norma rígida para apresentação de emendas ao Orçamento, segundo critérios estabelecidos na LDO e que inibam a prática clientelista.
10) Criar um relacionamento mais orgânico entre a Comissão Mista do Orçamento e as comissões permanentes.
II – Fiscalização legislativa
11) Aprovação de um código de ética e conduta do parlamentar com normas expressas de punição em casos de desvio, a ser amplamente divulgado para a opinião pública.
12) Implantação da Secretaria de Controle Interno do Congresso, a qual deverá estar incumbida também de fazer a interface com a opinião pública.
13) Criação de uma comissão permanente de controle e investigação da disciplina financeira do setor público, com meios para efetuar ação preventiva eficaz.
III – Infra-estrutura legislativa
14) Implementar um programa de informação da ação parlamentar, com acesso em tempo real, tanto para dentro como para fora da Casa.
15) Regulamentar, para controlar, a atuação dos grupos de pressão que atuam no Congresso.
16) Fortalecer a assessoria legislativa, especialmente para apoio às comissões permanentes, bem como a assessoria dos partidos.
17) Instalar o Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica, previsto no art. 275 do regimento interno. O Conselho deverá iluminar as deliberações em torno da redefinição da organização e funcionamento do Congresso, além de criar condições para os estudos de fôlego que as assessorias não possam realizar.
18) Constituir um grupo permanente de avaliação, treinamento e formação de recursos humanos, cujos trabalhos teriam início após censo completo do quadro funcional, sua qualificação e ocupação atuais.
19) Constituir um grupo de avaliação e reengenharia administrativa, de maneira a reestruturar a Casa e adequar a forma de funcionamento do Congresso às diretrizes estabelecidas.

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