São Paulo, sexta-feira, 23 de dezembro de 1994
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Titias

COSETTE ALVES

Faço um esforço para entender o comportamento e os artigos da imprensa sobre o ministério do presidente Fernando Henrique Cardoso, inclusive a irritação e ansiedade de que fui acometida com os vaivéns das notícias.
Às vésperas do Natal acabei me lembrando das parentes velhas, das famosas titias, que no fim do ano ficam sentadas nas poltronas do fundo da sala, reclamando, resmungando e criticando tudo e todos. A imprensa, e eu mesma, me pareceu uma tia solteirona, ranzinza, que só sabe falar mal.
Muitos escreveram que o ministério montado pelo presidente é um saco de gatos: heterogêneo, montado para angariar apoio do Congresso, e portanto conflituoso e difícil de administrar. Como o ministério do presidente Tancredo.
Acho que há uma certa má vontade! Olhe para a história dos ministros convocados. Fazenda, Planejamento, Trabalho, Educação, Indústria e Comércio. Todos na faixa dos 45-50 anos, todos economistas, todos pós-graduados no exterior, todos do PSDB, todos da mesma comunidade acadêmica que nos anos 70 e 80 criticavam agudamente o governo militar, disfarçando suas críticas em argumentos técnicos e econômicos, que era a única forma possível de criticar naqueles anos.
Todos participaram dos novos governos estaduais eleitos por voto direto a partir de 1983. Todos se conhecem íntima ou socialmente há pelo menos 15 anos. Portanto uma equipe homogênea, jovem e com o mesmo tipo de experiência de vida e profissional.
Nenhum líder antigo, do tipo fisiológico-clientelista. Nenhuma personalidade antiga, ligada a interesses regionais ou setoriais específicos. Apresentam uma carreira pública imaculada, sem acusações de qualquer tipo.
O que a gente, ou melhor, o que que a imprensa quer mais?
Comparando os ministérios de todos os governos anteriores, pós e pré-revolução. Bons ministros ou maus ministros eram de origem heterogênea, muitos do passado arqueológico da nossa vida política, que foi enterrada durante os 20 anos de governo militar e selecionados por causa do apoio de um grotão qualquer deste imenso Brasil. Aí, sim, era um saco de gatos.
Este ministério, sim, pode e, se for o caso, deve ser criticado. Mas não porque seja uma composição heterogênea, montada para obter apoio do Parlamento. As oscilações do presidente, ou os "sapos" que a imprensa deu, refletem a escolha pessoal do presidente –amizade num caso, problemas emocionais ou risco de conflitos de personalidades noutro caso. Mas nem de longe parecido com qualquer ministério de todo o período posterior a 1945. Um ministério homogêneo, jovem, capacitado, com experiência de vida pública, com visão dos problemas nacionais, sem vínculo a interesses particulares, regionais ou corporativos.
Portanto, abra os olhos. Muito cedo para criticar. Faça um esforço de imaginação. Por enquanto só dá para reclamar que são economistas. Sou casada com um economista e às vezes reclamo, mas nem sempre tenho razão.

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