São Paulo, sábado, 24 de dezembro de 1994
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Caim às avessas

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Dou de barato que Pedro Collor tenha denunciado o irmão por amor à pátria e respeito aos dinheiros públicos. Para todos os efeitos, estão também abertas outras hipóteses sobre a motivação de sua atitude –que não foi devidamente explicada até aqui por força do trauma político que provocou.
Não aprecio a fofoca, o "on dit" que abastece as colunas sociais, escoadouro desse tipo de informação geralmente plantada por interessados. Mas, como todo mundo, ouvi que se tratava de uma vingança pessoal, ora envolvendo um jornal da família, ora uma facada de 50 milhões de dólares, e, até mesmo, uma situação equivalente a que fez Nelson Rodrigues inventar o Palhares –aquele que não respeitava nem as cunhadas.
Repito: dou de barato que Pedro revelou suas suspeitas (quase todas confirmadas posteriormente) por motivos patrióticos, para livrar o Brasil de uma quadrilha de ladrões instalada no poder.
Contudo, nunca entendi a insistência com que ele procurou destruir a imagem do irmão além da seara política e administrativa, revelando detalhes da sua vida íntima, insinuando orgias homossexuais, uso de drogas por meios estranhos etc. Esses elementos, verdadeiros ou não, escapam ao amor que qualquer abnegado possa ter pela mãe-pátria, sobretudo se, na outra ponta da corda, está um irmão.
Para obter o resultado pretendido, ou seja, para denunciar Fernando como cúmplice de uma rede de corrupção montada na Presidência da República, Pedro Collor não precisaria apelar para a baixaria em que se tornaram algumas de suas entrevistas e o livro que autorizou a publicar como seu.
Afinal, nenhuma dessas revelações escandalosas foram decisivas para o processo de julgamento no qual o Congresso votou o impedimento de Fernando.
A morte de Pedro não desculpa seu comportamento estranho, mas talvez explique alguma coisa. Pois raramente se viu, ao longo da história, um irmão fazer o que Pedro fez com Fernando. Nas primeiras páginas da Bíblia há a história de um irmão que matou outro por ciúmes. Fernando está longe de ser o inocente Abel. Mas Pedro pode ficar estigmatizado como uma espécie de Caim às avessas.

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