São Paulo, terça-feira, 27 de dezembro de 1994
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Modernidade congelada

JANIO DE FREITAS

Quem não aderiu à elevação da "lei do mercado" à categoria de religião, atribuindo à liberdade de preços a capacidade de produzir o grande milagre redentor, no dizer de Fernando Henrique Cardoso "é atrasado", no de outros "está na década de 50".
México e Argentina foram promovidos a Vaticanos deste credo, o neoliberalismo, fornecendo os cânones que vêm orientando, aqui, as medidas contra a inflação e a política econômico-financeira em geral. Coisas conhecidas: juros siderais, lucros inimagináveis para a especulação financeira, moeda com valor artificialmente alto; esbanjamento das reservas em dólar, pagamentos altíssimos da dívida, contenção dos salários e, mandamento primeiro do catecismo, liberdade plena para os preços.
De repente, o México descobre-se financeiramente estourado, desvaloriza sua moeda em 15% e, no mesmo instante, adota uma providência para tentar reassumir o controle da economia: o CONGELAMENTO DE PREÇOS. Que horror.
Se você viu esta notícia, é porque foi achá-la nos cafundós onde os grandes jornais a soterraram. Quer dizer, então, que o mandamento nº 1 do neoliberalismo tem que ser substituído, quando o governo precisa governar, por algo ressuscitado como recurso atual, e não de atrasados da década de 50? E com que extremismo, sequer aceitando limitar-se ao controle de preços, e não congelamento, que os atrasados consideram conveniente nas economias destorcidas como a mexicana, a argentina e a brasileira.
O que é, o que é
Quem pensa –ou pior, diz a repórteres para afirmar a pretensa independência da composição do ministério– que o senador eleito Antônio Carlos Magalhães teve que se contentar com um ministério de segunda linha para o seu indicado, não conhece o organograma do governo.
É no de Minas e Energia, entregue ao pefelista baiano Raimundo Brito, que estão as maiores e mais ricas estatais brasileiras: Petrobrás, Vale do Rio Doce e Eletrobrás. Cada qual com um cacho de subsidiárias. E, de quebra, há ainda a importante CPRM, Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais. São centenas de diretorias a serem preenchidas. Considerados também os conselhos e chefias de departamentos de alto nível, os cargos de nomeação sobem à casa do milhar.
Tal como deu meia-volta no divulgado propósito de escolher a seu gosto todos os ministros, Fernando Henrique Cardoso, ou se ilude, ou procura iludir quando diz que ninguém nos segundos escalões dos ministérios e nas diretorias de estatais será escolhido com a participação dos respectivos ministros. Isto pode acontecer com um ou outro, mas, se regra geral, resultaria em crise. Submeter-se a tal regra seria, e para os mais esfomeados de poder e notoriedade será, dar recibo à demonstração de falta de confiança do presidente. Ou seja, aceitar-se desmoralizado já de saída.
As declarações de Fernando Henrique sobre as nomeações já são, aliás, por si sós, desmoralizantes para o seu próprio ministério. Ministro que não tem autoridade moral para designar seus auxiliares não é ministro. Mas não vou dizer o que é –isto cabe a Fernando Henrique.

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