São Paulo, terça-feira, 27 de dezembro de 1994
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Ciclotimia

Os economistas já de algum tempo admitiram a importância crucial das expectativas no funcionamento do mercado. Quando há otimismo, quando se espera que a situação melhore no futuro, consumidores e investidores tendem a agir segundo essa percepção, o que contribui para que a expectativa acabe se confirmando –no que ficou conhecido como "self-fulfilling prophecy", a profecia que se auto-realiza.
É claro que a expectativa apenas não basta, que inúmeros fatores interferem (alguns cruciais, como o governo), mas é sem dúvida mais fácil um país se desenvolver com otimismo do que sem ele.
Nesse sentido, não deixa de ser animadora a pesquisa Datafolha publicada domingo. A maioria dos brasileiros considera que a sua vida pessoal (58%) e a vida do país (51%) foram melhores em 94 do que em 93. E uma parcela ainda mais expressiva crê que o ano que vem será melhor tanto para o Brasil (78%) como para si próprios (78%).
Tais dados não surpreendem. Refletem o enorme alívio advindo da queda da inflação dos níveis indecentes em que se encontrava e dos efeitos daí decorrentes.
Mas uma avaliação um pouco mais detida recomenda bastante cautela. Afinal, muito pouco do preço da estabilização já foi pago.
Para que esta tenha chance de durar, o governo deverá impor uma implacável austeridade e buscar mudanças profundas e dolorosas em várias áreas. Não são exigências populares, ao menos de imediato.
Além disso, há mesmo o risco do excesso de otimismo. Uma explosão de consumo, por exemplo, pode desaguar em inflação. São riscos que cobram do governo uma sintonia fina com medidas, como a restrição do consumo, que tampouco aumentam a estima de ninguém.
Por fim, as expectativas de entrada de recursos externos que embasavam parte das previsões de crescimento e de investimento poderão ser revistas após a crise mexicana, que traz ainda um alerta quanto ao atual regime cambial brasileiro.
São muitas portanto as nuvens que restam no horizonte, por mais róseo que este possa parecer.
Se o otimismo é positivo, é preciso cuidado para que ele não turve a visão nem amorteça a tenacidade e a persistência necessárias para enfrentar os graves problemas à frente. As bruscas alterações de comportamento coletivo são conhecidas e, muitas vezes, quanto maior a euforia, mais fulminante a passagem para a desesperança.

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