São Paulo, terça-feira, 27 de dezembro de 1994
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Confiar não é preciso

O vigor com que o ministro da Economia argentino, Domingo Cavallo, reafirma seu compromisso com a âncora cambial é diretamente proporcional ao abalo nos mercados da América Latina.
Nem poderia ser diferente. Os banqueiros ingleses já lembravam, no fim do século passado, que a confiança existe principalmente quando não é preciso reafirmá-la a cada momento. Aliás, um dos aspectos mais traumáticos da crise mexicana é o fato de que poucos dias antes as autoridades daquele país também declararam seu compromisso com a estabilidade.
Na prática, o ministro Cavallo trata de encaminhar medidas emergenciais que ajudem a sustentar o peso argentino. As taxas de juros, que antes da crise mexicana estavam na casa dos 12% ao ano, já ultrapassaram no mercado interbancário platino o limiar dos 40%. Teoricamente, elevar os juros serve de estímulo à venda de dólares. É a medida mais imediata e urgente, frente ao movimento dos investidores no sentido de comprar dólares, apostando na desvalorização.
O exemplo mexicano, porém, labora em sentido oposto. Afinal, o que aconteceu lá foi justamente uma alta dos juros para frear a fuga de capitais, até que o governo percebeu a inutilidade do expediente e abandonou a banda cambial.
Num momento de crise de confiança, os mecanismos de política econômica podem funcionar de modo perverso. Isso, por vezes, é especialmente verdadeiro no caso da política de juros. No limite, os investidores tendem a perceber que juro alto pode ser a ante-sala da recessão. Ou seja, de redução na arrecadação de impostos. Fica então patente a contradição entre a promessa do governo de pagar juros exorbitantes e a realidade de uma arrecadação cada vez menor. Evidencia-se a insolvência.
Tudo isso não implica, necessariamente, que a situação do México venha a se repetir automaticamente em outros países. Em finanças, principalmente na crise, a lógica muitas vezes desafia os mais firmes compromissos. No caso, viver é preciso. Confiar, nem tanto ou, pelo menos, nem sempre.

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