São Paulo, terça-feira, 27 de dezembro de 1994
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Uma nova etapa

JOSÉ SERRA

"Não se aprende, senhor, na fantasia,/ Sonhando, imaginando ou estudando,/ Senão vendo, tratando e pelejando." (Camões)
Esta é a última coluna do ano e com ela encerro, pelo menos temporariamente, minha colaboração regular nesta página. Comecei a publicar a coluna em maio de 1987, tendo escrito, desde então, cerca de 350 artigos. A duração da coluna correspondeu aos quase oito anos de exercício de meu mandato como deputado federal.
Os artigos se referiram aos principais eventos que marcaram a vida brasileira nesse período, um período bastante chacoalhado, a começar pela fase de frustração do Plano Cruzado e das sucessivas tentativas de deter a superinflação, que também não deram certo, aprofundando a perda de amor próprio do país e restringindo sua governabilidade.
Muitos trataram das principais questões da Constituinte, da fundação do PSDB, das campanhas eleitorais de 1989 e 1990, do plebiscito sobre sistema de governo, da crise que conduziu à deposição de Collor, da revisão constitucional, dos governos Sarney, Collor e Itamar e do Plano Real. Mas celebrei também, por exemplo, a conquista do tetracampeonato de futebol.
A importância desta coluna para mim foi enorme, ao abrir a possibilidade de difundir sistematicamente meus pontos de vista sobre o país aos formadores de opinião e mais amplamente aos leitores da Folha. Aliás, às vezes os artigos repercutiram e causaram encrencas no próprio Congresso, onde o debate de plenário é dispersivo, tornando difícil conhecer as opiniões de cada parlamentar. Depois de algum tempo, passei a distribuir aos colegas os artigos xerocados. E não poucas vezes utilizei-os como base para discursos.
Tive outro benefício ao escrever semanalmente: a disciplina de, a cada domingo à noite (ou durante os vôos para Brasília nas segundas, ou até mesmo no meio de reuniões no Congresso), ter de refletir sobre algum tema relevante, definir uma opinião não banal e expô-la com começo, meio e fim e com clareza. Uma espécie de cooper mental semanal extremamente útil para sintetizar idéias, mesmo porque o espaço disponível sempre foi pequeno.
Centenas de vezes lembrei-me de uma história que Cláudio Abramo contava sobre Carlos Lacerda. Segundo Cláudio, Lacerda havia aceito escrever um artigo para um jornal com 150 linhas, no prazo de duas horas. Pouco depois, o editor lhe telefonou reduzindo o tamanho para 75 linhas, obtendo a seguinte resposta de Lacerda: "Posso fazer, mas para reduzir à metade preciso de quatro horas".
Na verdade, 99% das vezes escrevi em excesso, procedimento facilitado pelo fato de redigir a primeira versão a mão, sendo obrigado a dedicar um tempo enorme a enxugar o texto. Mas descobri também a utilidade dessa obrigação, pois percebi quantas palavras inúteis utilizamos, ou como é forte o vício acadêmico (de cujo meio provenho) de pretender expor demais idéias "per capita" de artigos.
Agradeço à Folha –jornal, aliás, onde escrevi artigos pela primeira vez depois que regressei do exílio, em 1978 (nas seções de economia e Tendências/Debates). E agradeço especialmente aos leitores que, ao longo destes anos, prestaram atenção em algumas de minhas análises e opiniões. Aprendi muito com suas críticas e sugestões.

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