São Paulo, sábado, 31 de dezembro de 1994
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Sitiada há mil dias, Sarajevo espera paz

DA REUTER

Sarajevo, a capital da Bósnia, completa hoje mil dias sob cerco militar dos rebeldes sérvios que lutam contra a independência da ex-república iugoslava.
O dia será marcado pela assinatura de um acordo entre a liderança dos sérvios e o comando das forças de paz da ONU para a suspensão de todas as hostilidades durante quatro meses.
A primeira vítima do cerco a Sarajevo foi Suada Dilberovic, uma estudante de medicina croata. Ela havia fugido meses antes de Dubrovnik, então sob bombardeio dos sérvios da Croácia.
A morte de Dilberovic em 5 de abril de 1992, atingida no peito por um franco-atirador sérvio ao participar de uma manifestação pró-independência, pareceu então apenas mais um ato de violência.
Em poucos dias, porém, os acessos à cidade estavam bloqueados, os tiroteios e bombardeios se intensificavam e começava a pior guerra européia em 50 anos.
Os muçulmanos e croatas da Bósnia acabavam de decidir, num plebiscito boicotado pelos sérvios, que a república deveria se separar de uma Iugoslávia em decomposição. Os sérvios da Bósnia, assim como os da Croácia um ano antes, pegaram em armas para tentar manter a região sob controle da nova Iugoslávia.
Pelo menos 10 mil pessoas morreram em Sarajevo desde aquele 5 de abril, vitimados por franco-atiradores ou pela artilharia sérvia.
Na morgue do hospital Kosevo, os corpos eram empilhados às dezenas depois dos ataques mais graves, como o bombardeio que atingiu uma fila para a compra de pão, em maio de 1992, ou o lançamento de morteiros contra um mercado, em fevereiro deste ano.
O cemitério ao lado, antes um parque, teve todas as suas árvores cortadas por moradores em busca de lenha, desesperados por alguma forma de se aquecer no inverno.
Uma das mortes mais significativas foi a do vice-premiê bósnio Hakija Turajlic, retirado à força de um carro blindado da ONU e assassinado por milicianos sérvios em janeiro de 1993. O crime veio a simbolizar a impotência das forças de paz diante do conflito.
Em fevereiro de 1994, a ONU usou a ameaça de ataques aéreos da Otan para forçar os sérvios a removerem seus armamentos pesados de Sarajevo. O número de mortes diminuiu.
As últimas ocorreram em 22 de dezembro, dois dias antes de entrar em vigor o cessar-fogo mais recente. Mirsad Delic e Hasan Handzic foram atingidos por um morteiro num mercado.
"O mundo traiu a Bósnia porque somos muçulmanos", disse Hapa Handzic no enterro de seu irmão. "Só Deus pode nos salvar agora, está tudo nas mãos dele."

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