São Paulo, sábado, 31 de dezembro de 1994
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Cargo, faixa e esperança

Governo de emergência, mandato-tampão, populismo recalcitrante, a gestão de Itamar Franco à frente da Presidência da República chegou em certos momentos a assustar o próprio titular, que até cogitou de encurtar seu mandato.
Entretanto, situação paradoxal, enquanto a sociedade repudiava o parlamentarismo nas urnas, urdia-se em torno da Presidência um jogo político em certos aspectos aparentado ao regime que o plebiscito preteriu. E aquele que na prática assumiu às vezes o perfil de primeiro-ministro, que defendeu a opção parlamentarista, acabou eleito presidente.
A maior virtude de Itamar Franco foi provavelmente essa capacidade eminentemente política de saber responder às circunstâncias ouvindo e mediando pressões.
Mas é evidentemente fácil, quando chega o final feliz, diminuir na memória o terror e o espanto das agruras passadas. A pesquisa Datafolha que se publica hoje mostra bem essa volubilidade: os que consideram o governo Itamar Franco ótimo ou bom chegaram a ínfimos 12% em novembro de 1993. Agora, chegam a 41% e apenas 12% consideram-no ruim, péssimo ou simplesmente não sabem.
Mas a pesquisa revela também que José Sarney segue como o melhor presidente, comparado a Itamar, Figueiredo, Collor e Geisel. Haverá por certo muitas razões para essa preferência, mas parece evidente que o combate espetacular à inflação desponta como fator preponderante. Afinal, o Plano Cruzado não deu certo, mas ficou na memória coletiva como um período de esperança renovada e, objetivamente, de aumento do consumo, ainda que temporário.
A popularidade de Itamar, de fato, ficou praticamente estagnada em níveis baixos ao longo de todo o seu mandato. O salto ocorre entre as pesquisas Datafolha de maio e agosto deste ano: os que respondem ótimo e bom passam de 16% para 37%. O combustível da explosão foi o Plano Real. Nada surpreendente, mas no mínimo curioso levando-se em conta que, em vários momentos, o maior temor da equipe econômica do real eram as possíveis interferências do presidente no andar da estabilização.
Mas é forçoso reconhecer que aos poucos o presidente amadureceu não apenas um novo relacionamento com a equipe econômica, mas também alguma flexibilização doutrinária. Nesse campo, o maior destaque foi o significativo abandono das táticas de guerrilha psicológica contra setores econômicos. O velho Itamar queria, ou ao menos declarava querer, a repressão direta e implacável contra os remarcadores de preços, contra a indústria farmacêutica, contra o sistema financeiro e outros. O novo Itamar aceitou as regras do mercado e viu sua popularidade crescer com o sucesso de um plano que, na sua essência, foi desde o início um anti-Cruzado, sem qualquer repressão direta aos preços privados.
Finalmente, é inegável a importância do presidente que insistiu, e nisso foi atendido pela equipe econômica, na inutilidade da recessão como instrumento de combate à inflação. Ao longo de seu mandato, e mesmo antes do Plano Real, a economia brasileira passou por uma descompressão significativa.
Cinquenta e um meses depois, Itamar Franco transmite ao sucessor um cargo, uma faixa e, principalmente, uma enorme esperança.

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