São Paulo, sábado, 31 de dezembro de 1994
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Desejável, necessário e possível

ANTONIO KANDIR

Não sendo ciência exata, a economia não é o terreno das certezas invariáveis. Há, porém, algumas afirmações simples que um economista pode fazer com segurança. Duas delas são importantes para responder a questão: 1) a inflação é um mecanismo infalível e poderoso de concentração de renda; 2) em ambiente inflacionário, o crescimento econômico não é um processo sustentável.
O real fez com que uma massa formidável de recursos, mais de US$ 12 bilhões/ano, deixasse de ser extraída da população com acesso precário ou sem acesso às aplicações financeiras. Com a diminuição drástica do imposto inflacionário, os mais pobres passaram a consumir mais, o que se demonstra pelo crescimento expressivo, desde julho, da demanda por bens não-duráveis e duráveis de consumo popular.
Acresce que o real trouxe consigo maior previsibilidade quanto ao futuro da economia. Desanuviado o horizonte e crescendo a esperança quanto à possibilidade de sustentação da estabilidade, produziu-se aumento significativo do investimento em máquinas e equipamentos, como se vê nas estatísticas de importação e de vendas do setor doméstico de bens de capital.
Assim, consolidar o Plano Real é certamente a prioridade das prioridades. Não basta, porém, consolidá-lo para assegurar o crescimento econômico, ao menos um crescimento sustentável e compatível com melhoria substancial das condições de vida da população (melhor seria dizer, sustentável porque compatível com a melhoria da qualidade de vida, como se verá).
Não basta a estabilização porque, num mundo globalizado, em que é crescente a disputa pela atração de investimentos, os países que não oferecerem ambiente propício à produção de qualidade, o que inclui estabilidade macroeconômica, serão preteridos na alocação de poupança externa, a não ser em alguns setores, cada vez menos dinâmicos, em que mão-de-obra barata e recursos naturais abundantes seguem sendo, por ora, vantagens imbatíveis.
Só os países em que governo e sociedade produzirem condições propícias à produção de qualidade poderão encontrar inserção positiva na nova ordem econômica mundial. E qualidade de produção depende de qualidade de mão-de-obra, a qual, por sua vez, não pode ser de padrão adequado se nasce, cresce e vive em condições precárias de educação, saúde, moradia e segurança.
Donde haver combinação intrínseca entre geração/atração de investimentos, crescimento econômico e melhoria da qualidade de vida, não sendo mais esta última objetivo longínquo a ser alcançado uma vez que o "bolo esteja grande o suficiente para ser repartido".
Sem desconhecer as importantes restrições fiscais existentes e sem incorrer em "salariazos" tão a gosto do populismo econômico, é não apenas desejável, como também absolutamente necessário, ir-se melhorando com firmeza e determinação as condições de vida dos brasileiros. Iniciar de imediato esse processo está no campo do possível para o novo governo, que saberá ampliá-lo para fazer do Brasil um país mais digno de se viver.

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