São Paulo, sábado, 31 de dezembro de 1994
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Desenvolvimento e equidade X resistência plutocrática

LUCIANO COUTINHO

As condições são favoráveis: nossa indústria, agricultura e serviços podem desenvolver-se competitivamente; a estrutura empresarial ajustou-se; a economia está aberta à concorrência; o sistema mundial cresce; a dívida externa foi equacionada. O novo governo emerge com amplo apoio parlamentar, sólido suporte das elites econômicas e é visto com simpatia pelos governos dos países desenvolvidos. O presidente, além de sua excelência intelectual, cercou-se de ministros e auxiliares experientes.
Não obstante, são formidáveis os desafios para o desenvolvimento com distribuição da renda. De saída coloca-se a necessária correção do programa de estabilização. Depois do desastre mexicano, ficou patente o equívoco de querer sustentar uma moeda estável e forte sobre uma taxa de câmbio sobrevalorizada, com o balanço de pagamentos desequilibrado e vulnerável.
A única maneira de dar consistência à estabilização é conectá-la a um projeto de crescimento econômico organizado. Esta observação se justifica pois dependendo da forma como for desdobrada a estabilização pode inviabilizar ou distorcer o desenvolvimento (coisa que os exemplos do México e da Argentina ilustram com eloquência).
Estabilidade, crescimento e distribuição de renda pressupõem um Estado forte e eficiente. Um Estado fiscal e financeiramente forte para investir mais nas infra-estruturas e em saúde, educação, ciência e tecnologia. Um Estado forte e competente para impor o interesse público sobre os particularismos que frequentemente o "privatizam". Sem clareza do que seja o interesse público é, por exemplo, impossível empreender parcerias ou flexibilizar os monopólios estatais sem risco de graves distorções.
A regeneração do Estado passa pela elevação da arrecadação dos impostos diretos (dentro de um sistema reformado e moderno), pelo combate implacável à sonegação e à corrupção, pela economia de gastos inúteis. Tudo isso significa contrariar múltiplos e poderosos interesses.
Mas o avanço em matéria de equidade social requer muito mais. Num Brasil desigual, cujo mercado de trabalho é selvagemente flexível, é essencial fortalecer a capacidade negociadora do trabalho, formal e informal, para proteger o emprego e assegurar que os salários possam acompanhar os ganhos de produtividade. Sem querer esgotar a agenda social, assinalo outras reformas necessárias: a reforma agrária, a reforma urbana, a política regional, o tratamento às pequenas empresas.
Cabem agora as perguntas: conseguirá o governo FHC implantar estas reformas, em face do variegado bloco conservador que o suporta? Terá o presidente condições de abrir um diálogo com os "de baixo" e com os segmentos organizados da sociedade?
Terá a equipe econômica clareza para escapar da armadilha e compatibilizar estabilização e desenvolvimento? Terá o presidente clarividência para fortalecer o Estado? Sucumbirá ou não à tentação da conciliação? Qual é, enfim, o projeto que perseguirá para o país? Nada disso está claro, e o grande risco é que o desenvolvimento com equidade seja bloqueado pela resistência secular das elites brasileiras à democratização substantiva das oportunidades sociais e econômicas.

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