São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994
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O império contra-ataca

LUÍS NASSIF

Trava-se neste momento, no âmbito da Prefeitura de São Paulo, uma luta decisiva para os destinos da dignidade e da eficiência dos serviços públicos. É uma batalha que interessa a todos aqueles efetivamente comprometidos com a ética no serviço público.
É uma disputa onde se decidem muitos temas relevantes. Inicialmente, o direito que têm (ou não) os governantes de manipular os valores de contratos públicos, a fim de engordar suas caixinhas políticas.
Depois, a capacidade que terá (ou não) a economia brasileira de se organizar em bases não cartelizadas. Nos últimos 15 anos, em um dos setores mais dinâmicos da economia –da construção civil e dos serviços públicos– a competição foi massacrada por uma cartelização espúria, que encareceu os preços dos contratos e impediu o florescimento de uma nova geração de empreendedores.
A maneira de romper esse círculo vicioso é complexa. Primeiro, cria-se uma nova legislação, anticartel. Depois, um ambiente político que transmita segurança para que as empresas do setor rompam com o cartel e apostem na competição. A partir daí, será cada um por si –a proposta mais barata leva, mas o conjunto, como um todo, será incomparavelmente mais eficiente.
Se não se romper a cartelização, em pouco tempo se montará novo conluio, em torno das novas regras do jogo. Abortar iniciativas que visam romper com o cartel, portanto, configura-se como um autêntico crime lesa-cidadania.
Cartel
É o que sucede hoje na Prefeitura de São Paulo. Uma empresa –a SPL Construtora e Pavimentadora Ltda.–, aproveitando-se de brecha aberta por uma licitação não-viciada, ainda na gestão Erundina, logrou conquistar uma fatia dos serviços de limpeza do município.
Depois de algum tempo operando, constatou que seus custos eram inferiores aos preços mínimos fixados nas licitações municipais. A única razão para instituir preço mínimo é impedir que alguém apresente preços irrealisticamente baixos. Mas o preço praticado pela SPL era mais baixo –e real. E não podia ser contestado, porque ela conseguira se infiltrar no reino fechado dos cartéis.
Com tais indicadores, a empresa resolveu fazer uma aposta no fim do cartel. Aproveitou os elementos fornecidos pela nova lei de licitações e, em meados de dezembro, embargou uma licitação para coleta de lixo, claramente viciada.
Retaliação
Alguns dias depois começou a perseguição. No dia 31 de dezembro, ela deixou de receber o pagamento referente aos serviços prestados em novembro. Até a semana passada, não havia recebido nem o pagamento de dezembro, nem o de janeiro.
Seu proprietário, Alexandre Beldi Neto –um senhor de 73 anos–, remeteu uma carta serena, porém firme, ao secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Reynaldo de Barros. "Sempre julgamos que um bom trabalho seria reconhecido por essa Secretaria Municipal, pois ele compreende a filosofia de trabalho do ilustre prefeito dr. Paulo Maluf, que defende a tese de oferecimento dos melhores serviços à população, pelos menores preços", diz a carta.
Há agravantes sérios, que configuram a prática detestável da perseguição política. Segundo a carta, a SPL foi a única coletora de lixo da capital cujos pagamentos estavam atrasados. Além disso, denuncia que o gabinete de Reynaldo de Barros ordenou uma operação "pente-fino" especial, colocando carros para seguirem os caminhões da empresa, procurando autuá-los. "Sabemos que a 'fiscalização' que estamos sofrendo tem ordens para nos autuar de qualquer maneira, o que poderá ensejar lavratura de vários autos, tentando desmoralizar uma empresa séria, envolvendo-a em irregularidades inexistentes", continua a carta.
Suicida
A julgar pela correspondência do sr. Beldi, a administração Paulo Maluf incorre em um atrevimento suicida. No momento em que a destruição do cartel das empreiteiras torna-se bandeira nacional, vai-se sufocar uma empresa com a prática do calote, a fim de dar sobrevida ao cartel?
Nem se julguem os padrões éticos dessa ofensiva. Analise-se essa estupidez no plano político-eleitoral. Como pode um político, que pretende ser o candidato da modernidade e da livre iniciativa, abrigar tais práticas que conspiram contra o país e contra o mercado?
Se a SPL for derrotada numa disputa honesta, é problema dela. Se for sufocada pela prática do calote, a derrota será do país.

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