São Paulo, terça-feira, 8 de fevereiro de 1994
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Nador reafirma a arte como viagem

CARLOS UCHÔA FAGUNDES JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Exposição: Pinturas de Mônica Nador
Onde: Galeria Luisa Strina (r. Pe. João Manoel 974A, zona sul de S.Paulo)
Quando: Abertura hoje, 19h. Até 4 de março. De seg. a sex., das 10h às 20h, sáb., das 10h às 14h.

Um viajante distraído que entra na Galeria Luisa Strina a partir de hoje tromba com as pinturas de Mônica Nador, tomando um choque de bem-estar. Chega de feios, sujos e malvados. Essa artista da geração 80 dá sua lição e mostra seu talento, recém-premiado com a disputada Bolsa do Mid-America Alliance e também em cartaz na coletiva Brazil Images of the 80's & 90's, no Art Museum of the Americas de Washington.
Aqui, Nador mistura galhos e baralhos para horror das tribos canônicas, cruzando rigorosas telas monocromáticas (homenagens a Reinhardt e Ryman) com uma paisagem que é puro desfrute, onde predomina francamente o décor e o bem-estar. Com isso prova que a história recente da arte tem sido muito mal contada, e há muito mais intimidades (ocultas na versão ortodoxa) entre certas produções do que pode sonhar nossa pequena compreensão.
A história canônica tem sido contada como se fosse um caminho de pedras sólidas sobre as quais o "progresso" da arte fosse saltando. De Cézanne ao Picasso cubista; deste ao último Mondrian, e daí a uma fase de Pollock e aos artistas do "color-field" (campos de cor), onde entra o radical Ad Reinhardt (1913-1967), como nas pinturas monocromáticas e cruciformes que ele pintou nos anos 50, Mônica Nador também faz telas usando branco sobre branco ou vermelho sobre vermelho, mas tramadas com uma retícula que, na verdade, é a repetição de um "pattern" (padrão) lembrando motivos decorativos da arte islâmica.
Essa retícula entremeada à pulsação da cor, recobra, de modo organizado, o destravamento gráfico presente em certas produções (menosprezadas) de Picasso, Masson, Gorky, Rothko e Pollock. Esta é a origem da "allover composition" (composição ubíqua) e do "color-field" (com as fases consagradas de Rothko e Pollock), bases da concepção moderna e contemporânea da pintura.
Com as mesmas idéias (espaço chapado e pattern), Nador constrói sua pintura figurativa que serve de contraponto à exposição, mostrando que são dois modos de cercar e mesma questão. A paisagem de "Cascata Pura" é feita com o espaço chapado das pinturas medievais, sobretudo das iluminuras, e também de ícones bizantinos ou gravuras japonesas -estas, fonte de aprendizado da arte ocidental na marcha para "transformar-se de arte-como-também-algo-mais em arte-como-apenas-ela-mesma" palavras de Reinhardt).
Neste espaço onde a perspectiva se rebate sobre um plano, juntam-se os elementos decorativos, postos como "patterns", que criam a paisagem.
São flores de tankas tibetanas, estrelinhas de iluminuras, esquemas lineares de fluxo da água feitos por Leonardo da Vinci, que formam uma retícula diferenciada e permitem uma viagem de bem-estar como utopia da decoração. Por essa via rigorosa, Nador reafirma a "arte como viagem", alcançando um "além" que é pintura para e não sua periferia anedótica.

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