São Paulo, sexta-feira, 11 de fevereiro de 1994
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O escândalo que não há

JANIO DE FREITAS<PW:POPUP,2,0.5>IRENE

A escandalosa anistia concedida pela Câmara dos Deputados aos tomadores de financiamentos agrícolas nunca foi concedida pela Câmara dos Deputados. A devolução de US$ 97 bilhões aos tomadores de financiamentos agrícolas, decidida pelo Congresso, nunca foi decidida pelo Congresso. A falência de que o Banco do Brasil está ameaçado, pelo privilégio concedido aos seus financiados da agricultura, não é ameaça nem pode dar em falência. Este mais recente escândalo, pelo qual o Congresso está sendo (mais) malhado, é todo ele um equívoco iniciado e multiplicado a cada dia pelos meios de comunicação.O que a Câmara aprovou, e agora passa ao exame do Senado, diz que "fica sustada a Resolução 590 do Conselho Monetário Nacional, de 7 de dezembro de 1979". Sustada, ou seja, suspensa, sem mais aplicação. E o que ficou sustado foi a autorização dada pelo Conselho, naquela data, para que houvesse nos financiamentos agrícolas: "1- a cobrança de correção monetária' 2- a capitalização mensal dos juros' 3- a cobrança de juros de mora e encargos adicionais por inadimplência ou repactuações de dívidas' 4- a contratação de novos financiamentos com o mesmo mutuário anterior, para quitação de dívidas anteriores".A decisão do Conselho Monetário, mandando aplicar estas regras, desrespeitou as duas leis e o decreto-lei que regem o crédito rural. O que o decreto legislativo pretende é extinguir a longa vigência de normas aplicadas sem amparo legal. Não se refere a anistia ou devolução. Embora, se aprovado também pelo Senado, o decreto venha a dar amparo aos pedidos, na Justiça, para devolução do que foi pago aos bancos sem ser legalmente devido. Mas a decisão será, como convém, da Justiça.E como surgiu a imprecisão escandalosa? No começo da tarde, um deputado do PSDB me informava que acontecera, pela hora do almoço, a surpreendente aprovação de um decreto legislativo que obrigaria os bancos à devolução de uns US$ 15 bilhões. O que levaria o Banco do Brasil, que faz quase 100% dos financiamentos, à falência irremediável. Não obtive o texto do decreto e, por isso, achei mais prudente aguardá-lo e obter mais informações sobre o montante. À noite, TVs já transmitiam a suposta devolução. E a cifra subira para US 20 bilhões, como apareceu também nos jornais do dia seguinte. As informações não se baseavam, é claro, na leitura do decreto.No dia seguinte, a já equivocada devolução de juros e correção monetária passou a ser dada como anistia. Isto, então, era impossível. Anistia-se dívida, mas não crédito, e os tomadores de financiamento tinham pago a mais, teriam crédito. Aí, às notícias não tinha faltado a leitura do decreto, mas a simples leitura dos jornais que o noticiaram.Com a ajuda do presidente do Banco do Brasil, a cifra passou depressa de US 20 bilhões para US 97 bilhões. É impossível saber de onde veio este valor. Para chegar ao montante verdadeiro, seria preciso levantar muita coisa desde 79: as cobranças feitas de juros e correção' a quantidade enorme de dívidas não honradas (principalmente pelos grandes empreendimentos agrícolas), que não pagaram nem o que tomaram' e os financiamentos ainda correntes, que não exigiriam devolução.Enfim, o escândalo que há não houve. Ou, pelo menos, ainda não.Vai mudar
Necessárias duas aprovações do Fundo de Emergência pelo Congresso, muito improvável que a segunda, prevista para o dia 23, dê razão ao otimismo que a primeira motivou na equipe econômica. O corte nas verbas para educação e habitação – um dos raros pontos em que Fernando Henrique se manteve intransigente – vai encontrar muito mais oposição do que teve na terça-feira.A apatia do PMDB nas negociações em torno do Fundo, deixando o campo aberto à projeção do PPR conduzido por Espiridião Amin, suscitou reações que devem neutralizar a ação do senador Pedro Simon pelo apoio incondicional ao governo. E fortalecer o líder peemedebista na Câmara, Tarcísio Delgado, que desejava defender as verbas para educação e habitação. À atitude menos indiferente do PMDB ante os aspectos anti-sociais do Fundo, deverão juntar-se aos parlamentares do PT, com um bom motivo para agir, ainda que o diretório petista mantenha a infantilidade de proibir a participação do partido.

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