São Paulo, sexta-feira, 11 de fevereiro de 1994
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O Plano FHC e a lógica da desestabilização

ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA

As especulações quanto ao Plano FHC, particularmente quanto à adoção da URV (Unidade Real de Valor), acirram as expectativas do mercado, provocando uma aceleração dos reajustes de preços, fator que deve ser adicionado a liquidez que se observa em função da política monetária expansionista ou, como prferem alguns, à ausência de uma política monetária.
Diante da necessidade da rolagem dos títulos da dívida interna, observa-se um "jogo de braço" entre o Banco Central e o mercado na fixação das taxas de juros. O BC em alguns momentos resiste a sancionar, através das taxas nominais de juros, as expectativas do mercado, quanto à inflação esperada. A questão é que o mercado sabe da fragilidade do equilíbrio momentâneo das contas públicas e, nesse ambiente, o Banco Central torna-se quase que refém dos agentes, não lhe restando muita alternativa senão acabar cedendo às pressões.
Ao elevar as taxas nominais de juros, na tentativa de sinalizar um juro real minimamente aceitável para os agentes econômicos, estas passam a ser vistas como sinalizadoras da inflação futura, formando uma verdadeira espiral juros-preços/preços-juros, onde evidentemente os "price makers" da economia tendem a dar as cartas do jogo.
Este processo não é neutro, ou seja, há no mecanismo ganhadores e perdedores, de acordo com a sua capacidade de adaptar-se mais rapidamente à elevação da inflação, provocando um processo perverso de transferência de renda, privilegiando setores e camadas sociais, em detrimento de outros.
A desmontagem dessa lógica perversa extrapola o campo técnico, na medida em que fere privilégios daqueles que têm vantagens com a desestabilização. Nesse sentido é que o combate à inflação no Brasil passa a ser uma relação de poder. Muitos ganham com a desorganização da nossa economia e a incapacidade de o Estado exercer o seu papel estratégico de coordenador de um projeto nacional dá margem ao imediatismo e oportunismo de medidas paliativas de curto prazo e ao patrocínio de uma verdadeira festa para os que se beneficiam no processo.
Neste sentido, o novo plano econômico, na tentatia de ser indolor, corre um grande risco de tornar-se inócuo na medida em que subestima o coflito distributivo presente na nossa sociedade. No conflito distributivo, a questão fiscal está longe de ser o fator decisivo para garantir o sucesso das políticas de combate à inflação. Destaque-se ainda, que o ajuste incompleto proposto é incapaz de, "per si", garantir um equilíbrio sustentado das contas públicas, incluindo Estados, municípios e estatais em um ano eleitoral.
O conflito distributivo é tampouco solucionado com a criação da URV, na suposição de que todos os agentes econômicos reajustariam os seus preços no mesmo intervalo e nível, tornando-o neutro. O maestro pode querer que a orquestra toque por partitura, mas o mercado só toca de ouvido, ou seja, prevalece mais a intuição do que a regra. Diante disso, o mais provável é uma nova inflação decorrente destes desequilíbrios estruturais, desta vez em URV.
Há, portanto, na lógica do Plano FHC, um diagnóstico parcial das causas do processo inflacionário brasileiro e que coloca um excessivo peso no discurso do ajuste fiscal como solução. Sem um projeto nacional de longo prazo, pactuado entre governo e os segmentos representativos da sociedade, toda tentativa de estabilização será apenas um paliativo momentâneo e parcial de combate à inflação e a repetição, embora com outras caras e bocas, de um filme já conhecido entre nós.
Infelizmente, dado o conjunto de fatores expostos, 1994 está muito mais para mais um ano de continuidade da desestabilização crônica, do que o preconizado ano da virada. As pré-condições econômicas e políticas da estabilização estão longe de serem atingidas no apagar das luzes do atual governo, restando-lhe novamente o papel de transistor. A possibilidadede um novo cenário fica para a partir de 1995, já com um novo governo, a quem caberá, de fato, caso queira a superação da crise, o encaminhamento de um novo projeto de nação, onde o econômico seja um dos elementos.

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