São Paulo, sexta-feira, 11 de fevereiro de 1994
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Quem tem medo da URV

As primeiras declarações do ministro Fernando Henrique Cardoso após a aprovação, em primeiro turno, do Fundo Social de Emergência (FSE) colocam no topo da agenda o início da segunda etapa do plano econômico, a criação da URV. O titular da Fazenda é ousado a ponto de subestimar as dificuldades políticas, jurídicas e regimentais que ainda condicionam a existência do Fundo. FHC não tem medo da URV.
Na sociedade, entretanto, e na cabeça de cada agente econômico, o temor é real e crescente. A começar pelo fato de que o discurso do ministro, apesar de confiante e resoluto, por enquanto dissolve-se em ambiguidades e hipóteses quando se trata de identificar quais serão as regras do jogo.
Talvez, no raciocínio do ministro, seja ainda cedo para explicitar essas regras. Talvez ele esconda uma prudência maior, esperando secretamente nais clareza quanto ao destino do FSE. O resultado prático, entretanto, é contraproducente, pois não faz sentido o ministro ao mesmo tempo decretar-se pronto para a URV e esconder o jogo.
Por enquanto, a agenda da introdução da URV é por demais obscura. Enquanto o ministro da Fazenda fala em liberdade e adesão voluntária, os ministros do Trabalho e da Indústria e Comércio lançam a idéia de negociações em câmaras setoriais. Quanto à fixação do salário mínimo, FHC avoca ao governo a determinação desse valor, "esquecendo-se" de que tal decisão passará necessariamente por mais negociações no Congresso.
A incógnita mais incômoda, no entanto, deriva da distinção entre a URV como indexador e como moeda. Como indexador, seria uma referência para reajustes possivelmente diários de preços. Isso traria, por tornar a economia hiperindexada, a aceleração da inflação em cruzeiros reais. O que muitos economistas têm ressaltado é que, na prática, vários setores e empresas partiriam para conversões de preços de cruzeiros reais para URVs acima da média, quando não pelo pico.
Um indexador que gera mais inflação, enquanto os salários continuam sendo pagos em cruzeiros reais, mas sem correção diária, tende a tornar-se socialmente perverso. Nessas condições, o ideal seria um encurtamento do prazo entre a URV e a criação da nova moeda, com a qual serão pagos os salários.
Contudo, quanto mais rápida for essa transição, maiores serão os problemas com outros contratos, de prazo mais longo. Mudar de moeda exigiria, nesses casos, renegociar contratos para "expurgá-los" da inflação futura que trazem embutida. Para isso foram criadas as célebres "tablitas", com as quais o governo intervém sobre todos os contratos da economia -exatamente o que o ministro sempre insistiu em descartar. Ou seja, quanto mais rápida for a transição entre a URV e a nova moeda, mais o destino do plano poderá depender de medidas de força ou arbitrariedades.
O perigo, no limite, é acontecer uma desvirtuação do que era um programa de adesão voluntária a um novo regime monetário, que acabaria ficando cada vez mais parecido com um congelamento.
O controle de preços e mesmo o "efeito Osires" (a ameaça de devassas fiscais) também estão sendo empunhados, paradoxalmente, pelo mesmo ministro que insistiu à exaustão no compromisso de respeitar o mercado e instituir uma moeda cuja estabilidade derivasse da credibilidade, não do terror.
Há dúvidas em número suficiente para ampliar o hiato entre o discurso oficial e a segurança necessária a uma estabilização duradoura. São indefinições que, somadas às dúvidas mais que legítimas sobre o futuro do FSE e do Orçamento de 1994, podem converter a confiança do ministro em desconfiança dos mercados. Isso apenas tornaria mais difícil a implementação da URV e da nova moeda, como e quando for.

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