São Paulo, sexta-feira, 11 de fevereiro de 1994
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Educação é mais que 18%

A iniciativa do procurador-geral da República, Aristides Junqueira, de contestar, junto ao Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade do Fundo Social de Emergência é uma dessas atitudes que revelam a presteza com que autoridades se levantam em defesa de certos princípios sem, contudo, prestar a mesma atenção para com o global.
O argumento do procurador é o de que o FSE viola a Constituição ao prever a desvinculação de verbas que o artigo 212 da Carta obriga que sejam aplicadas em educação (18% da receita de impostos da União). Não é o caso de enveredar, neste espaço, por uma discussão jurídica –e inevitavelmente hermética– em torno do assunto. É, no entanto, o caso de se tentar fazer uma reflexão sobre a vida real no que se refere ao campo da educação.
Não apenas a Constituição de 88, mas também Cartas anteriores previam um determinado percentual de aplicação obrigatória em educação. Um dispositivo respeitável, sem dúvida. Mas é o caso de se perguntar se essa obrigatoriedade resultou ou não em melhoria da educação brasileira. Dispensável dizer que não, conhecido como o é o estado caótico do ensino público, beneficiário pelo menos teórico desses recursos. É claro que a culpa do desastre não é da regra dos 18%, mas da má aplicação dos recursos.
Não se trata, portanto, de criticar o procurador por defender a Constituição contra o que considera uma violação. Mas o zelo deveria cobrir não apenas o artigo 212, mas também todos os demais. Para ficar apenas no território da educação, o artigo 205 diz: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".
Ora, salta aos olhos que incontáveis brasileiros estão privados desse direito. Nem por isso o Ministério Público ou outras autoridades têm tido a presteza suficiente para fazer respeitar o artigo 205. Pior ainda: a formulação do artigo impede ou no mínimo dificulta alguma ação legal. Se há uma criança fora da escola, na idade em que teria constitucionalmente o direito de frequentá-la, quem será acionado para obrigar a que se respeite o texto da Carta? O Estado? O município? O chefe da família?
A dificuldade de uma ação legal não deveria justificar o imobilismo. Uma autoridade luta, na Justiça, para preservar a vinculação dos 18% da receita à educação, mesmo sabendo ou devendo saber que o mecanismo não resolveu e sequer atenuou a crise do setor. Ninguém do setor público arma idêntica batalha para ir ao fundo da questão e tentar fazer com que o dispositivo da educação como um direito de todos deixe de ser apenas um belo lirismo constitucional.

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