São Paulo, sexta-feira, 11 de fevereiro de 1994
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O novo nome da revisão

JOSÉ SARNEY

Para entender o Fundo Social de Emergência é necessário dizer que ele tem por finalidade tirar o Orçamento do gesso em que foi colocado pela Constituição de 88. Eu disse muitas vezes que ela iria tornar o país ingovernável e que somente exercita e mantém a chamada teoria da crise, da terra arrasada de todas as políticas.
Mas, como era do meu dever, jurei cumpri-la. E durante quase dois anos governei com ela e todas as suas dificuldades, enfrentando um desgaste político fantástico, submetida a União a uma dieta de recursos que se tornaram cada vez mais escassos e que davam para cobrir apenas as despesas de pessoal e juros da dívida.
O presidente Collor sentiu logo o que era o problema e o sr. Kandir enviou um documento ao Congresso afirmando que sem a reforma da Carta era impossível sair da crise. Vem o presidente Itamar, e reitera-se a mesma coisa.
O ministro Fernando Henrique, na sua fala de segunda-feira, dia 7, repetiu a argumentação certa, e apenas não quis apontar de onde vinham os males da República, mergulhada no caos financeiro da Constituição de 88.
Àquele tempo, os deputados e senadores acharam que iam fazer um governo do Congresso, assembleísta, meio parlamentar e meio presidencialista, com o presidente e, por conseguinte, o Executivo presos a suas vontades. O que aconteceu? O que estamos vivendo. Criou-se no povo a falsa noção de que a Constituição iria trazer o paraíso.
Ela assegurou os direitos sociais, como devia fazer.Mas, ao contrário do que ocorre em todo o mundo, em vez de dar condições para o país crescer, progredir e, rico, pagar suas obrigações sociais, melhorar os serviços em benefício do povo, engessou-o, fechou a economia e ampliou o tamanho do Estado, ao mesmo tempo que estimulou uma retórica que voltou aos anos 50.
O diabo é que a reforma da Constituição está sendo uma frustração maior do que a da Constituinte. Ela está nos casuísmos e oportunismos, começa pelas Disposições Transitórias, como se o país fosse transitório. Por que, em vez de suspender a Constituição por dois anos, como foi feito pela Junta Militar na Emenda nº 1, de 1969, não se mexe na parte permanente, retirando os entraves que são identificados como impeditivos da governabilidade?
Por que somente suspendê-los por dois anos para resolver um problema de caixa deste ano e do próximo? Por que alterar o transitório e deixar o permanente intacto? Aí está um perigo, que queima a lógica e destrói o Estado de Direito.
Saulo Ramos tinha um cliente que se chamava João Besteira. Procurou-o para trocar de nome. Saulo disse-lhe que era possível. E perguntou: "Como você quer chamar-se?" Ele respondeu: "Antônio Besteira". Estamos assim, a Constituição de 1988, com a revisão, quer trocar de nome...
PS – O senador Leite Chaves contesta-me sobre a lei que fiz determinando a impenhorabilidade da casa própria. Diz-me que não é uma lei esquecida, como considerei em artigo nesta coluna: é hoje a mais aplicada pelos juízes e tribunais, inclusive fazendo-a retroagir a casos já consumados. Que notícia boa!

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