São Paulo, sexta-feira, 11 de fevereiro de 1994
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PT, vítima de si mesmo

JOSIAS DE SOUZA; GILBERTO DIMENSTEIN

JOSIAS DE SOUZA E GILBERTO DIMENSTEIN
Em artigo publicado ontem neste espaço, intitulado "PT vítima de antijornalismo", o professor Paul Singer reclamou do "desserviço" provocado por esta Folha, ao divulgar o programa preliminar do partido –uma versão, segundo ele, "adulterada do grande debate que hoje se trava dentro do maior partido de esquerda no Brasil". É uma injustiça, professor –e não faz jus a sua seriedade intelectual.
Registre-se de início que Paul Singer, economista de reconhecida seriedade, não questionou a veracidade da reportagem da Folha. Impossibilitado de fazê-lo, preferiu aventurar-se no campo jornalístico. Enxergou pecado no fato de os jornalistas terem priorizado no primeiro parágrafo de seu texto a informação de que a proposta do PT inclui teses tão controversas quanto a possibilidade de moratória do pagamento da dívida externa e a suspensão do programa de privatização. Preferia que a reportagem tivesse destacado em primeiro plano detalhes da nada empolgante proposta de política externa do partido.
Aí sim, professor, estaríamos ignorando todas as técnicas do bom jornalismo. Para usar uma imagem batida do meio jornalístico, seria como se os repórteres, pautados para cobrir o espetáculo circense, voltassem para a Redação dizendo-se impossibilitados de realizar o trabalho porque o circo pegou fogo. A relevância jornalística da fatia econômica do programa petista está refletida justamente nas fagulhas que saltam do debate das propostas, inclusive e principalmente no interior do partido.
Note-se, a propósito, que, enquanto Paul Singer tentava ministrar aulas de jornalismo, Luiz Inácio Lula da Silva manifestava sua discordância quanto à plataforma econômica rascunhada pelos petistas. Mais que isso: indicava o deputado-economista Aloizio Mercadante para intervir no tema, com o objetivo explícito de revisar vários pontos da versão preliminar do programa, em especial aqueles destacados pela Folha.
No fundo, Paul Singer culpa o termômetro pela febre do paciente. Não fomos nós que escrevemos o programa preliminar do PT, mas segmentos importantes do próprio partido. Não temos culpa se, com um candidato que depende de alianças políticas para viabilizar-se eleitoralmente, o PT continue se perdendo em meio a uma intrincada guerrilha interna que opõe radicais a moderados.
De resto, o professor insinua que a sociedade não está preparada para discutir um programa preliminar. Antijornalismo, professor, é saber e calar. A reportagem só teve tanto espaço na Folha por um singelo motivo: o PT tem sólidas chances de chegar ao Palácio do Planalto. E interesa saber o que pode fazer com nossas vidas.
Entre os pontos que, segundo os ensinamentos de Paul Singer, deveriam ter sido destacados pela reportagem está a chance de o Brasil ser um dos líderes no cenário internacional, enfrentando os Estados Unidos. Ora, professor, o Brasil terá importância nula se não for capaz de resolver seus dilemas econômicos. Aliás, o país encontra-se em franca desvantagem mesmo no cenário latino-americano.
Os argumentos de Paul Singer estão em flagrante contradição. Ele diz, corretamente, que o leitor deve receber com prioridade as informações mais relevantes. Mas seu artigo só foi escrito porque a divulgação do programa preliminar teve ampla repercussão. Se teve ampla repercussão, imaginamos, é porque foi lido. E foi lido porque chamou a atenção -e se despertou interesse é porque tinha alguma novidade.
Diz o professor que as teses que mereceram maior destaque são historicamente defendidas pelo PT. Ora, aí está a maior novidade. Num instante em que seu candidato busca freneticamente alianças com outras legendas, causa espanto que os petistas continuem agarrados a teses tão históricas quanto mal-aceitas pelo grosso das legendas.
Antes de cometer injustiças, o professor Singer deveria se informar entre seus próprios correligionários sobre como a reportagem foi produzida. Decidimos segurar o documento, correndo o risco de levar um "furo", apenas para torná-lo mais preciso e passar o preciso contexto ao leitor.
Antes da publicação, foi investigado qual o estágio daquele texto. Verificou-se que não se tratava do resultado de um "happening" de radicais. Como última providência -e isso retardou a divulgação em mais um dia-, esperamos o retorno de uma ligação ao sociólogo Marco Aurélio Garcia, um dos principais articuladores do programa. Recebemos apenas uma resposta vaga de Marco Aurélio, pelo fax.
Resta, então, uma seguinte pergunta diante da acusação de mau jornalismo. Será que a Folha não cumpriu sua missão de alargar as fronteiras do conhecimento do cidadão, divulgando o programa? O problema, em essência, é a relação desvirtuada do paciente que quebra o termômetro, aborrecido com a febre alta.
Nesse caso, em particular, o PT não é vítima de "antijornalismo". É vítima de si próprio. A reportagem não usou um único adjetivo, apenas transcreveu trechos do programa petista.

JOSIAS DE SOUZA, 31, jornalista, é diretor-executivo da Sucursal de Brasília da Folha.

GILBERTO DIMENSTEIN, 37, jornalista, é diretor da Sucursal de Brasília da Folha.

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