São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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Se o presidente atacar a nova fantasia...

ALOYSIO BIONDI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os índices de inflação recuaram quase dois pontos percentuais, para a faixa dos 38%, na primeira quadrissemana de fevereiro. Vitória da equipe FHC? Ao contrário. Prova de sua falta de conhecimento do que acontece com os preços, no país. E prova de que, mais uma vez, economistas cheios de teorias e pretensão provocam mais inflação – como nos tempos de Mailson, Sayad, Abreu, Marcílio e seus assessores/especuladores.
Era perfeitamente possível prever que a taxa de inflação entraria em queda no começo de fevereiro. A previsão foi feita nesta coluna, há três, quatro semanas, como qualquer leitor pode testemunhar. Não é questão de "chute", ou "bola de cristal". Conforme já explicado milhares de vezes, a forma de calcular as taxas de inflação no Brasil cria distorções, mostra na verdade a "inflação velha", de quatro semanas ou um mês atrás. Ela se baseia na comparação dos preços médios das últimas quatro semanas, com os preços médios da quadrissemana anterior e, com isso, há sempre esse prazo até que uma alta de preços (ou baixa) "puxe" o índice. Em poucas palavras: a taxa de inflação do começo de janeiro refletia na verdade as altas de preços ocorridas no começo de dezembro, assim como a taxa de inflação (mais baixa) de fevereiro está refletindo a desaceleração das remarcações em janeiro.
A equipe FHC é igual às anteriores. Os economistas falam todos os dias sobre o que está acontecendo –no seu entender– com a economia, mas detestam acompanhar os fatos, a "conjuntura". Ou os preços, no caso. Por isso a equipe errou e voltou a provocar mais inflação neste começo de ano, e não apenas por omissão.
A responsabilidade da equipe é óbvia. Na virada do ano, com as remarcações de dezembro, começaram a surgir os índices "assustadores" (mas que refletiam remarcações "velhas", insista-se). Desprezando essa realidade, o ministro e assessores nada fizeram para esvaziar a histeria e consequente clima de altas que tomaram conta da economia. Ao contrário: embarcaram na canoa de que a inflação estaria em alta, e o Banco Central elevou terrivelmente as taxas de juros. E a bola de neve continuou: os juros altos puxaram a TR (que é calculada com base nas taxas dos CDBs, e não com base na inflação); por isso, surgiram as notícias de remuneração de 50% para as cadernetas, provocando mais histeria; os custos financeiros das empresas também subiram, puxando os preços, e assim por diante.
Concretamente: a equipe econômica comportou-se como se fosse incompetente, como se ignorasse que a inflação do começo de janeiro era "velha", exagerada, e estava caindo naturalmente naquele momento. Criou, concretamente, especulação e insegurança, que leva a mais inflação. Criou inflação. A célebre "inflação burra", desnecessária, que assola o Brasil.
Águas passadas? Não adianta mais falar nisso pois agora a queda da inflação já está garantida, com a aprovação do "pacote fiscal" de FHC pelo Congresso? Engano total. O episódio mostra que a sociedade tem que defender-se contra a onda de mistificações que está dominando a economia e a política nos tempos recentes. Se o Carnaval é o reino em que a fantasia substitui a realidade, o Brasil vive mesmo um Carnaval permanente.
Alternativa - Com a maior hipocrisia, os defensores do plano esotérico FHC dizem que ele tem que ser implantado de qualquer forma, porque "ninguém apresentou nenhuma alternativa"... Falta de memória. Por volta de julho, surgiu a proposta de segmentos empresariais (PNBE entre eles) e até de ministros (Barelli, André Vieira) para o uso da prefixação, isto é, um acordo para reajustar preços com uma redução de cerca de dois pontos percentuais em relação à inflação do mês anterior. Mas a equipe já dispunha de um roteiro do plano de criação da nova moeda, esboçado pelo deputado José Serra, segundo revelação de seu admirador, Luís Nassif. Em julho, a inflação estava em 30% ao mês. Se a prefixação tivesse sido adotada, com redução de 2% ao mês, a taxa hoje estaria abaixo dos 15%.
Deuses – Ninguém duvide, pois é verdade: basta ler a mensagem do ministro FHC enviada ao Congresso (escrita por economistas até com alguns termos do mais puro "portunhol"), acompanhando a proposta do "ajuste fiscal", no final de dezembro. Está lá, com todas as letras: o ministro e seus inspiradores admitem que a prefixação poderia derrubar a inflação. Mas seria tudo lento, gradual, e –diz ele!– a sociedade brasileira não suportava mais conviver com a carestia. Era preciso derrubá-la rápido, com planos sofisticados. Incrível. Então, a equipe FHC acredita que a prefixação poderia derrubar a inflação com segurança, eliminando-a sem criar problemas que, estes sim, já massacraram de forma insuportável a sociedade brasileira: achatamento de salários, de aposentadorias, falta de dinheiro para hospitais, destruição da máquina de fiscalização do Estado, tablitas, etc.. Mas agindo como verdadeiros deuses, que "decidem" o que é bom para milhões de mortais, vetaram a prefixação. Conseguiram, com a ajuda da imprensa, "calar a boca" dos outros ministros –um deles, "irreconhecível", hoje, totalmente afinado com esses descaminhos.
Cegueira, só? Ou os interesses dos brasileiros, da classe média e do povão, foram sacrificados porque uns e outros queriam aparecer, como os "pais" de planos salvadores para chegar a postos mais altos?
Democratas – em sua mensagem-chantagem pela TV, o político FHC insistiu em que nunca houve um debate tão democrático entre governo e Congresso, quando como com este ajuste fiscal. "Passei horas e horas conversando com deputados e senadores, repetiu". Democrático, mesmo. A equipe conseguiu "calar a boca" até do presidente da República, (tristemente irreconhecível, depois que abriu mão de todas as suas posições (corretas). Durante sete a oito meses, trabalhou em segredo no Plano. Atenção: rejeitou qualquer alternativa, como se fosse dona absoluta da verdade. Democracia, isso? Ou o seu avesso?
Ditadores – Em resumo, o ministro e equipe gastaram umas horinhas para forçar o Congresso a aprovar aquilo que eles, desde o início, achavam que era bom. Para o país? Ou para eles? Inversão total de processo. Numa democracia, o debte começaria pela própria discussão dos objetivos que a sociedade coloca como prioritários. A equipe não discutiu com a sociedade se ela considera inteligente "zerar" o déficit, eliminar a dívida do governo. Decidiu que isso deveria ser feito, traçou seu plano. E chegou com tudo "mastigado" ao Congresso, admitindo discutir apenas "como" zerar.
Congresso – O ex-ministro Dornelles, "conservador" respeitado, realizou estudos, para o Congresso, mostrando que a equipe FHC estava manipulando as previsões de arrecadação para 1994. Ela será muito maior. O deputado Aloísio Mercadante, "progressista" respeitado, realizou estudos mostrando que o tal "rombo" do Tesouro não existe, e em 1993 houve gigantesco superavit. A imprensa? Publica em manchete todas as "impressões" e ataques do ministro. Mas dedicou exatas três linhas ao deputado Mercadante, e um pouco mais a Dornelles. Isso, um único jornal. Os demais, nem registraram. Na opinião pública, reforçou-se a impressão de que o Congresso é leviano. Reforçou-se, na desmoralização. Não se deu à sociedade chance de conhecer o teor das acusações de manipulação contra o ministro e sua equipe. É o "avesso" do comportamento da imprensa nos tempos da ditadura, quando se fazia qualquer malabarismo tentando abrir espaço para opiniões divergentes da oficial –lembra-se, Jabor? Lembra-se, Márcio Moreira Alves? Lembram-se, Bacha, Malan e outros ex-IPEA?
O presidente da República talvez possa usar os dias de Carnaval para reler a mensagem assinada por FHC e enviada ao Congresso. Constatar que há o elogio à prefixação. E adotá-la, já, antes que a expectativa de criação da URV faça os índices de inflação subirem de novo. Aí, só haverá Carnaval nos dias de Carnaval. Menos "avessos" em cena.
PS.: O ministro voltou a dizer que não cuidará do feijão-com-arroz. Algum assessor (se ele tiver algum não-sofisticado, que acompanhe preços) deve avisá-lo: ele é que vai levar terrível paulada na cabeça, com os preços do feijão. Essa leguminosa, que como alguns sabem é alimento tradicional, já chegou a CR$ 40.000 a saca no atacado. Triplicou em pouco tempo. A equipe? Fala de URV. Preços? Isso é baixaria, brother.

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