São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 1994
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Versões sem fundo

JANIO DE FREITAS

Há uma contradição suspeita entre o que o ministro Fernando Henrique tem alegado, para não aceitar que o Congresso recomponha as verbas de educação e habitação cortadas pelo plano econômico, e a explicação por ele usada há dois meses, para recompor outras verbas cortadas e de fins menos defensáveis.
Pelas contas da equipe econômica –que, aliás, revelou no Congresso espantosa incompetência para as quatro operações– o governo terá um rombo orçamentário de US$ 1,2 bi, se as verbas de educação respeitarem o que está determinado pela Constituição e, com elas, as de habitação se mantiverem no que é exigido em lei. Quando, porém, há dois meses os ministros militares tomaram conhecimento do que seria o tal Orçamento imutável, e reagiram à sua maneira habitual, o imutável logo se mostrou flexível. A quota do Exército no Orçamento engordou substancialmente e, para atenuar a evidência de que se submetera à pressão militar, Fernando Henrique mandou melhorar outras dotações orçamentárias. Tão liberal, ou melhor, neoliberal, que aumentou em 20% a verba do seu próprio ministério.
Aos que estranharam a disponibilidade em um Orçamento antes dado como rigoroso e rígido, o ministro deu esta resposta, reproduzida pelos jornais: "Nós tínhamos deixado uma reserva e fizemos as correções usando parte da reserva". Vá lá que falasse em correções e não, como devia, em concessões. Mas, aceito como verdadeiro o restante da explicação, foi usada "parte da reserva", logo, há a outra parte, que não está sendo deduzida do suposto rombo de US$ 1,2 bi. Se considerado, ainda, o montante que foi liberado para armas e para gastos burocráticos, estará igualado, ou não estará distante disto, o rombo que o plano pretende cobrir impondo mais sacrifícios à educação e à habitação.
Destas constatações e, na mesma medida, da justificada falta de confiança nas contas da equipe econômica é que vem a expectativa de dificuldades para o plano econômico no Congresso, quando o Fundo Social de Emergência for à segunda votação na quarta-feira. A candidatura ou não de Fernando Henrique, apoiada ou não pelo presidente Itamar, nada tem a ver com aquela expectativa. A ligação entre uma coisa e outra é mais um dos malabarismos mentais que o deputado Nelson Jobim não se cansa de plantar no noticiário, em seu esforço patético para alimentar, como faz há quatro meses, a farsa da revisão que o projetou, até agora, como relator do nada. Apenas 48 horas antes, Jobim "denunciara" o ministro da Educação, Murílio Hingel, como a grande ameaça à aprovação do plano econômico. Os seus incontáveis quilos não fazem dele um relator de peso.
Logo depois da primeira votação do Fundo, uma pequena nota, sob o título "Vai mudar", antecipava aqui o mal-estar, sobretudo no PMDB, com a maneira como foi dada a primeira aprovação ao corte das verbas educacionais e habitacionais: as diferentes propostas de alterações no Fundo foram postas em bloco, sob uma única votação. Colaborador do PSDB e do PFL nesta manobra, o PMDB trocava de papel com o PPR de Maluf e Espiridião Amin, ante os aspectos sociais do Fundo. A reação de numerosos peemedebistas despontou logo, e de lá para cá só cresceu.
As dificuldades não são intransponíveis, mas vão exigir, da equipe econômica e dos revisionistas sem revisão, mais do que números aéreos e versões levianas.

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