São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 1994
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Determinação de agir parece surtir efeito

RONALDO MOTA SARDENBERG
A busca da solução pacífica de controvérsias é sempre prioritária e o recurso à força não deve ocorrer senão em última instância. Essa convicção, consistente e invariavelmente defendida pelo Brasil, é válida também no caso do trágico conflito que há quase dois anos atormenta a Bósnia-Herzegóovina.
Ao longo desse período, o assunto tem merecido atenção prioritária do Conselho de Segurança das Nações Unidas, no qual o Brasil cumpre um mandato de dois anos como membro não-permanente (por ora). Ingentes esforços diplomáticos foram dispendidos. Mais de 20 mil "capacetes azuis", inclusive brasileiros, integram a Força de Proteção das Nações Unidas (Unprofor) e servem no território da antiga Iugoslávia, onde prestam inestimável serviço buscando assegurar a manutenção do vital fluxo de assistência humanitária.
Todavia, mesmo a paciência da comunidade internacional tem limite. Defrontado com bárbaros e constantes ataques contra populações civis, o Conselho de Segurança decidiu, em maio passado, designar como áreas seguras seis cidades bósnias, inclusive Sarajevo.
Um mês depois, por unanimidade, o mesmo conselho determinou que os membros da ONU, agindo nacionalmente ou por meio de organizações regionais, poderiam tomar todas as medidas necessárias, inclusive com recurso à força aérea, em apoio à Unprofor no cumprimento de seu mandato. Esse mandato inclui a promoção da retirada de unidades militares e paramilitares das áreas seguras e autoriza o uso da força no caso de bombardeio dessas áreas por qualquer das partes.
O criminoso ataque contra o mercado de Sarajevo, no último dia 5, reacendeu a indignação da comunidade internacional e trouxe o conflito bósnio de volta às primeiras páginas.
No dia seguinte ao incidente, o secretário-geral da ONU, Boutros Ghali, pediu formalmente o apoio da Otan para a preparação de ataques aéreos contra as armas pesadas posicionadas em Sarajevo e seus arredores. Três dias depois, o Conselho do Atlântico Norte atendeu o pedido e, sob ameaça de ataques aéreos no caso de descumprimento, deu aos bósnios-sérvios dez dias para que retirassem suas armas pesadas ou as colocassem sob o controle das Nações Unidas. No mesmo prazo, o governo bósnio deveria também colocar suas armas pesadas sob o controle das Nações Unidas.
No estrito quadro das resoluções do Conselho de Segurança, que determinam que o eventual uso da força aérea se daria "sob a autoridade do Conselho e sujeita a estreita coordenação com o secretário-geral das Nações Unidas e a Unprofor", é concebível, mas não desejável, o recurso a ataques aéreos pela Otan, caso armas pesadas continuem a ameaçar a população civil de Sarajevo.
Há hoje, entretanto, sinais encorajadores vindos da capital bósnia. A determinação de agir e a intensificação das negociações parecem ter surtido efeito e as armas pesadas estão sendo retiradas ou desativadas. Permanece a esperança de que o bom senso prevalecerá e não será necessário o uso da força. Todos os esforços devem continuar voltados para a obtenção da paz.

RONALDO MOTA SARDENBERG, 53, é representante permanente do Brasil junto às Nações Unidas (ONU), representante do país no Conselho de Segurança da ONU e presidente do Comitê de Sanções contra a ex-Iugoslávia. Foi embaixador na União Soviética (1985-89) e na Espanha (89-90).

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