São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 1994
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Ação ou desmoralização política

LUIZ A.P. SOUTO MAIOR

LUIZ A. P. SOUTO MAIOR
Em tese, toda intervenção internacional deve ser vista com extrema cautela, para não dizer com desconfiança. Como regra geral, elas refletem menos aspirações de paz ou de justiça do que os interesses das potências interventoras.
O caso da Bósnia-Herzegóvina não é uma exceção. Os planos de paz até agora sugeridos têm sido mais dirigidos à pacificação da área –e consequentemente à segurança da Europa– do que aos direitos e aspirações dos bósnios. Não se tem tratado de defender a autodeterminação do povo da Bósnia ou qualquer outro princípio, mas sim de evitar o prosseguimento e o eventual alastramento de um conflito em área politicamente sensível.
A disposição de intervir, impondo um plano de paz que resguardasse os interesses dos países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), sempre esteve presente. O que faltava era acordo sobre os meios a serem empregados para levar os combatentes a se entenderem sobre uma fórmula negociada ou aceitarem alguma ditada pelas grandes potências ocidentais.
A idéia do bombardeio aéreo de posições sérvias há meses vem sendo debatida, mas não havia consenso sobre ela, dadas as suas possíveis consequências.
Foi preciso o massacre de seis dezenas de pessoas num mercado público de Sarajevo para convencer os membros da Otan da inevitabilidade de uma ação militar efetiva. Mas a palavra-chave parece ter sido realmente inevitabilidade.
Tratava-se de agir militarmente ou desmoralizar-se politicamente. Frente a tais antecedentes, caso os sérvios não respeitem o prazo do ultimato que lhes foi dado, não restará aos países da Otan alternativa senão bombardear as posições de artilharia que ameaçam Sarajevo.
A questão que deve estar hoje torturando os planejadores políticos e militares da Otan refere-se, porém, menos ao bombardeio em si do que aos seus possíveis desdobramentos.
Os ataques aéreos podem levar os sérvios a uma atitude mais conducente à pacificação da Bósnia. Mas também –talvez mais provavelmente– podem levá-los a tomar medidas de represália tanto contra os muçulmanos bósnios como contra os próprios soldados da força de paz da ONU.
Nessa última hipótese, os países da Otan podem ver-se diante do penoso dilema de promoverem uma nova escalada militar ou aceitarem a desmoralização política. A lógica do caminho escolhido deveria levar a um aumento da pressão militar até o limite necessário para forçar os sérvios a um entendimento que, a juízo das potências interventoras, devesse ser aceito também pelos muçulmanos.
Mas como aumentar a pressão? Não se deseja enviar forças de terra. Bastariam novos bombardeios aéreos, agora já não limitados a posições de artilharia? Antes de se chegar ao limite das opções militares consideradas aceitáveis, o quadro político poderá, entretanto, complicar-se. Afinal, Moscou já avisou que a guerra na Bósnia-Herzegovina não será resolvida sem a participação da Rússia.
Assim, os bombardeios deverão ser feitos, mas poderão ser apenas o começo de uma nova fase de dificuldades.

LUIZ A. P. SOUTO MAIOR, 66, é embaixador do Quadro Especial do Ministério das Relações Exteriores. Foi embaixador do Brasil junto às Comunidades Européias (1977-84), no Peru (84-87) e na Suécia (87-90).

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