São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Itamar permitiu entrada de mulheres

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A passagem do presidente Itamar Franco pela Marques de Sapucaí foi planejada, desde o início, como uma programação masculina. Consultado pelo cerimonial, Itamar, desquitado, concordou em desaconselhar a presença das mulheres dos integrantes de sua comitiva.
Argumentou-se oficialmente que era preciso limitar o número de pessoas no camarote presidencial. Durante o desfile, o próprio Itamar autorizou a entrada de várias mulheres, inclusive Lílian Ramos, entre os "bicões" que tiveram acesso ao camarote.
A fatídica foto em que Itamar aparece ao lado de uma Lílian Ramos sem calcinha poderia ter sido evitada. Minutos antes dos cliques dos fotógrafos, o porta-voz Francisco Baker soprou no ouvido de Itamar: "Presidente, a presença da moça está chamando muito a atenção. Pode repercutir mal."
O barulho da bateria da Mangueira, que concluía o seu desfile, impediu que se ouvisse a resposta de Itamar. Ninguém suspeitava, até então, que as lentes dos fotógrafos pudessem estar concentradas na cena que Lílian oferecia sob a camiseta curta que vestia. Imaginava-se que o interesse se restringia às carícias que Itamar trocava com a moça –os dois estavam de mãos dadas.
Assustado com a movimentação ao pé do camarote, o próprio Itamar recomendou a Lílian que se acomodasse no parapeito. Seu pedido foi atendido. Mas era tarde. A foto havia sido feita segundos antes, quando Lílian, entregando-se aos acordes da bateria da Vila Izabel, levantou os braços, ensaiou alguns passos de samba e expôs a nudez.
Só às 10h30 de segunda-feira, soube-se no Hotel Glória, onde estavam hospedados Itamar e sua comitiva, da existência da foto. Informado por Baker, Itamar duvidou: "Será? Esse pessoal só pode estar blefando."
No início da tarde, veio a confirmação. Getúlio Gurgel, fotógrafo da Presidência, informou: "Eu vi a foto. Realmente aparece tudo." Todos, de Itamar a Mauro Durante, passando por José Aparecido e José de Castro, duvidaram que a foto seria publicada. "Eles não terão coragem", apostou Itamar. A Folha e "O Globo" publicaram a foto que mostrava que Lílian estava sem calcinha, ao lado do presidente.
Na manhã de terça-feira, ainda no Rio, Itamar contabilizava os prejuízos. Em café da manhã com Aparecido e Castro, avaliou que sua imagem não havia sofrido arranhões irreparáveis. O prejuízo maior, segundo a impressão da trinca, teria sido de Lílian.
Só na quarta-feira, quando o caso ganhou espaço nos jornais e emissoras de televisão do exterior é que a equipe de Itamar se deu conta do vexame a que o presidente se expôs. Mas o presidente, em contato telefônico com um de seus ministros, na sexta-feira, ainda se recusava a jogar a toalha.
"Isso tudo é coisa de imprensa", disse, falando de Juiz de Fora. "Basta ler as cartas de leitores de todos os jornais e acompanhar as pesquisas que estão sendo feitas por emissoras de rádio. O povão está do meu lado". O interlocutor, em Brasília, concordou.
Os militares que cuidam da segurança do presidente rejeitam a acusação de que falharam na Sapucaí. Segundo afirmam, em depoimentos confirmados por dez em cada dez pessoas que estiveram com Itamar naquela noite, ninguém entrou no camarote sem que o presidente, consultado, desse sua autorização.
Lá estiveram, além de Lílian, Gal Costa, Nana Caymi, vários colunistas sociais, repórteres de televisão e até o cartunista Ziraldo. Quando Lílian chegou, Itamar estava sentado num sofá, estrategicamente colocado no fundo do camarote. Ladeavam-no Gal e José de Castro, que cedeu seu lugar à moça.
Itamar estava no fundo porque, antes do início do desfile, sua primeira aparição ao público não fizera muito sucesso. Ao grudar a cintura no parapeito do palanque, a pedido dos jornalistas, Itamar ouviu mais vaias do que aplausos.
Em pânico, Mauro Durante o convenceu ao recolhimento, só interrompido quando as escolas começaram a desfilar. A essa altura, o público tinha mais o que ver. De resto, a reação dos integrantes das escolas foi de simpatia. Destaque da Viradouro, a própria Lílian jogou, da avenida, um beijo para Itamar. Foi o entusiasmo da resposta do presidente que a estimulou a bater à porta do camarote presidencial após o desfile, acompanhada do deputado Valdemar Costa Neto (PL-SP), amigo dos bicheiros cariocas. Barrada, Lílian esperou por dez minutos. Só entrou com o sinal verde de Itamar.
Os receios de Durante quanto à reação da platéia eram compartilhados pelo restante da comitiva. Documentos reservados da segurança da Presidência da República alertavam, na semana anterior, para a possibilidade de o presidente ouvir vaias. Mais que isso: os papéis da segurança afirmavam que, em razão da inflação alta, não se deveria descartar sequer o risco de o público atirar objetos no camarote presidencial.
Em telefonema a Maurício Corrêa, ministro da Justiça, o governador do Rio, Leonel Brizola, desaconselhou a ida de Itamar ao Sambódromo. "A reação do público é imprevisível", disse. Avisado do alerta do governador, Itamar desdenhou os riscos e manteve a viagem. Corrêa trocaria a preocupação pela descontração. Agarrado ao copo de uísque, foi outro destaque da noite.
Na saída, o presidente não resistiu a um último pedido de Lílian: "Perdi a condução da escola de samba. Você me daria uma carona até a zona sul, Itamar?" O tratamento na primeira pessoa foi exigência de Itamar. Autorizada a seguir no ônibus da Presidência até o Hotel Glória, Lílian sentou-se três poltronas atrás de Itamar, ao lado do embaixador José Aparecido. Às 4h15, já na portaria do hotel, Itamar autorizou um dos carros alugados pela Presidência a deixá-la em casa. "Posso lhe telefonar, Itamar?", consultou. "Eu lhe telefono", devolveu o presidente. Itamar não ligou uma, mas três vezes. Num dos contatos, declarou-se "apaixonado".

Colaboraram GUSTAVO KRIEGER e ELVIS CESAR BONASSA, da Sucursal de Brasília

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