São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Lista de impunidades

JANIO DE FREITAS

Tudo o que se sabe da atividade da Comissão de Investigação do Executivo, criada pelo presidente Itamar para investigar corrupção no próprio governo, é que pediu um levantamento dos bens de empregados de estatais. Um modo de afogar-se em quantidade oceânica de papéis, para pescar um ou outro bagrinho.
E, no entanto, bastaria a leitura de um jornal para perceber, de imediato, um farto filão investigatório. Os sucessivos trabalhos da repórter Edna Dantas, na Folha, vinham expondo indicações claras de trampolinagens graves na "concorrência", feita pela Telerj, para as listas telefônicas do Rio. Com a última revelação da repórter, de que só uma empresa concorreria, tal era a evidência do dirigismo, a "concorrência" acabou suspensa, no momento de entrega da proposta.
A explicação do presidente da Telerj, José de Castro Ferreira, é mais do que uma preciosidade: recursos contra a "concorrência", impetrados por empresas que se julgaram prejudicadas por certas exigências do edital, continham "relevância jurídica". O que quer dizer, confessadamente, que as condições da "concorrência" eram juridicamente insustentáveis.
Velho advogado, ex-consultor da República no governo Itamar, José de Castro Ferreira conhece a Lei de Licitações e a legislação complementar. É o responsável maior pela montagem da "concorrência" que foi obrigado a suspender. Mas está a salvo da investigação merecida: é um dos mais próximos amigos do presidente Itamar, como atesta sua condição de co-produtor do espetáculo no camarote do Sambódromo. Ou como já atestava, muito antes disso, o fato de ter sido o derrubador, a poder de intrigas, do então ministro Paulo Haddad. Ele queria, e conseguiu, Eliseu Resende na Fazenda, com isso criando, além do escândalo, o marco da derrocada concreta do governo Itamar. Ou como atestou, ainda, a impunidade ao abrigo que deu, como consultor da República, a pareceres retorcidos que levavam a fantásticos prejuizos para os cofres públicos e benefícios equivalentes para interesses privados.
Vai para 12 anos que o Rio não tem listas telefônicas, porque as "concorrências" da Telerj terminaram, todas, em escândalo. Escândalos, todos, impunes. O serviço da Telerj é indecente, mas nem só o serviço é assim.
Outro recorde
Todo ano há entressafra, período de menor disponibilidade de determinado produto agrícola ou pecuário. Quebra de safra, produção menor do que o previsto, é corriqueira. Mas o aumento de 300% no preço do feijão em apenas um mês, é um fato sem igual na história das entressafras como pretextos: é quase oito vezes mais do que a inflação no mesmo período.
Nem por isso deixa de ser normal, nas atuais circunstâncias. É o efeito lógico da concepção, que hoje tem o ministro Fernando Henrique como maior paladino, de que os preços devem ficar todos à livre vontade de quem vende, porque não têm influência na inflação, nem efeitos sociais. A função reguladora do governo, há milênios tida como de alcance sobre todas as atividades sócio-econômicas, deve recair apenas sobre dois focos dados como monstros inflacionários: os gastos do próprio governo com educação, saúde, pesquisa científica, infra-estrutura, e os salários.
Por uma concepção que não acompanhou a modernidade neoliberal em vigor, aqueles dois monstros podem ser vistos como os setores que não dão dinheiro para compra de fazenda, nem para campanha eleitoral.

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