São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Cliente usa senha para sair com 'famosas'

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Se a morena Lílian Ramos prefere o silêncio, outra morena –de 37 anos, 51 quilos, 1m72, olhos negros e cabelos castanhos– decidiu revelar como funciona o universo da "prostituição chique". Por quatro horas, conversou com a Folha em uma churrascaria no centro de São Paulo. Só aceitou falar depois de impor três condições: não gravar o depoimento, manter-se incógnita e não se deixar fotografar. Sugeriu que, durante a
conversa, a reportagem a tratasse por Anastassia.
Não é exagero comparar Anastassia à norte-americana Heidi Fleiss, jovem de corpo esguio que a imprensa dos EUA apelidou de "madame Hollywood". Como Heidi, Anastassia dirige uma agência que –oficialmente– fornece "recepcionistas" para coquetéis e congressos. Na verdade, a agência encobre uma rede de prostituição, onde as garotas de programa são atrizes e modelos famosas. Em Beverly Hills, quem quiser passar uma noite com as meninas de Heidi tem que desembolsar no mínimo
US$ 1,5 mil. Pelas meninas de Anastassia, em São Paulo, paga-se mais: entre US$ 2 mil e US$ 5 mil.
A clientela de ambas compõe-se de políticos, fazendeiros, empresários, atletas e artistas. Nos EUA, Heidi Fleiss responde cinco processos, quatro por proxenetismo e
um por tráfico de cocaína. No Brasil, Anastassia inaugurou a agência em 1981 e nunca teve problemas com a Justiça. Tem, entretanto, problemas de consciência. "Ganho uma fortuna, mas me envergonho do que faço. É pecado. Pretendo largar tudo em dois anos e abrir uma rede de pizzarias."
Senhas
Não basta dinheiro para sair com famosas. É preciso conhecer as "senhas". Sempre que um novo cliente procura Anastassia, ouve a pergunta: "Quem passou meu telefone?" O novato tem que dizer o nome de alguém que costuma usar os serviços da agência. Se não disser, a conversa pára por aí. Se disser, Anastassia vai checar.
"A alma do meu negócio é a confiança. Quando o cliente prova que tem bons amigos, mando fotos de meninas para que possa escolher direitinho." Os encontros com
as garotas acontecem, geralmente, em hotéis cinco estrelas. O pagamento é adiantado.
O negócio, ainda que lucrativo, exige muita dedicação. A agência
funciona em um quarto-e-sala no centro de São Paulo, onde há três linhas telefônicas e um computador. Anastassia trabalha sozinha, diariamente, das 10h às 23h. "Não
é seguro contratar funcionários." No computador, arquiva o nome dos clientes. "São centenas. Pessoalmente, conheço uns dez. Os outros só falam comigo por telefone. Muitos (60%) têm mulher e filhos." Também no computador, ficam os nomes das garotas. Grande parte das meninas têm entre 18 e 25 anos. "Passou dos 25, fica difícil arrumar boas transas." A dona da agência costuma embolsar "uns 30%" do que cada jovem recebe por programa.
Paulista, Anastassia se diz muito católica: "Sou devota de Santa Edwiges e Nossa Senhora Aparecida." Casou-se em 1988 e tem um casal de filhos. "Só dormi com
dois homens na vida: meu marido e um namorado." O marido, aliás, sabe do que
Anastassia vive. Sabe e usufrui: os rendimentos da família vêm da agência que a mulher administra.
Anastassia não informa quanto fatura por mês. Mas dá pistas: mora no Morumbi, em uma casa de quatro andares. Tem carros de luxo e um barco. Cria cavalos mangalarga, costuma viajar para o exterior e dedica uns dias por ano à pesca no Pantanal. Filha de lavradores, nunca descuidou dos estudos. Fala inglês, espanhol e italiano. Arranha o francês e o alemão. Veste-se com elegância. No dia da entrevista,
trajava um conjunto de calça e blusa beges, em estilo militar. A marca: Yves Saint-Laurent.

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