São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Escritor mudou visão política

ANATAL ROSENFELD
DA REDAÇÃO

O texto que segue, de autoria de Anatol Rosenfeld (crítico e ensaísta alemão radicado no Brasil, que morreu em 73), é parte de um ensaio que fará parte do volume "Thomas Mann", a ser publicado em edição conjunta pela Perspectiva e pelas editoras da USP e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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Alguns grupos nunca perdoaram Thomas Mann por sua trajetória política após a Primeira Guerra Mundial. Ainda hoje me recordo do julgamento depreciativo feito pelo meu professor no ginásio de Friedenauer, perto de Berlim, quando na aula de alemão expressei minha admiração pelo autor de "Tonio Kroger". Um homem sem dignidade, este Thomas Mann! Na (Primeira) Guerra Mundial ele era um nacionalista ortodoxo, muito conservador, luterano, jogando a música e a cultura teutônica contra o Ocidente latino, a "civilização", a "literatura" e o racionalismo; e logo depois, após a formação da República de Weimar, dando-se por vencido, descobridor de seu coração democrático e de sua simpatia pelo Ocidente! Isto de acordo com meu professor nacionalista.
Evidentemente, trata-se de uma compreensão errônea do que significa ter dignidade. Claro que isso não quer dizer que devamos ser como os vermes oportunistas, que se adaptam até mesmo aos detritos.
Mas também não significa a posição máscula, mas também de um reles malentendido manifestado pela indignação dos professores nacionalistas em relação à tendência conservadora do artigo escrito por Thomas Mann durante a Primeira Guerra Mundial, intitulado "Betrachtungen eines Unpolitischen" ("Considerações de um Apolítico") e à posterior evolução política do autor.
Essas "considerações" não eram uma sistematização definitiva de um nacionalismo retrógado, mas, sim, um monólogo apaixonado de uma pessoa atingida em seu íntimo, buscando entender o significado dos acontecimentos; é a obra de uma pessoa que vivia em conflito consigo mesma. "Na última palavra de 'Betrachtungen' eu já não me encontrava mais no mesmo ponto onde estava na primeira palavra. Mas os alemães ainda continuavam lá", escreveu recentemente Thomas Mann.
Ainda hoje parecem estar no mesmo ponto. Que ele, após a Primeira Guerra Mundial, tenha surgido da separação de si mesmo e chegado a uma decisão, não foi consequência de fatores externos, mas sim de um reconhecimento pessoal da situação histórica e da necessidade de uma mudança completa das condições sociais – uma decisão que, como descendente de uma antiquíssima estirpe patrícia, deve ter sido difícil. O que sempre lhe importou era a possibilidade de levar uma vida digna. Ele acreditava que o Estado burguês conservador desse as condições para tanto. Mais tarde, convenceu-se de que, para alcançar este objetivo, o socialismo era mais adquado. E o fato de que ele, uma vez tomada esta decisão, lhe tenha permanecido fiel, evidencia o seu comportamento inflexível no tempo de Hitler, o qual foi por sua vez depois criticado por determinados "emigrantes internos" como estúpido.
No entanto, muito mais lamentável é o fato de que Alfred Doeblin tenha justamente descrito Thomas Mann como "Devorador de Alemães" e aberto as páginas de sua revista ("Das Goldene Tor") para articulistas medíocres que, em seu miserável alemão hitleriano, levantaram contra Thomas Mann mais uma vez a crítica de que ele não era "elementar" o suficiente. Além disso, acontecia muito pouco em seus livros. "...E desta forma, nos dois volumes do romance ('Zauberberg') não acontece na verdade nada", queixa-se um certo P.E.H. Porque ele não lê Edgar Wallace, onde sempre acontece algo e é impossível ficar preso ao livro? Também "(em seus romances) só se racionaliza, sempre se racionaliza", continua Lueth. Naturalmente, Thomas Mann não é suficientemente demoníaco para o jovem. Doze anos de obsessão demoníaca elementar não lhe tiraram o apetite. Os jovens acham a racionalização desprezível, preferem a balbuciência e mitologia velada.
Tradução de Erika Elisabeth Patsch.

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