São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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O que há de novo na geografia do mundo

WAGNER COSTA RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O que há de novo no "novo mapa do mundo?" Menos que a simples demarcação das fronteiras entre os Estados-nação, assistimos a emersão de novos questionamentos, configurando blocos de países e as suas respectivas áreas de influência. Este processo, cuja evidência ganhou grande velocidade na segunda metade da última década, está permeado por alterações nas relações de trabalho e por inovações tecnológicas, com destaque para o campo da biotecnologia e da informática. Além disso, a redefinição dos fluxos financeiros geraram novas potências no setor e o declínio de outras. Também tivemos a retomada das idéias liberais no jogo das relações internacionais e a revisão do projeto socialista. Os processos econômicos, associados à retomada da xenofobia, resultaram numa segregação dos países centrais (interna e externamente) à pobreza, e reaqueceram o debate dos temas étnicos e religiosos.
Numa promoção da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional - ANPUR, e do Departamento de Geografia da USP, pesquisadores de muitas porções do mundo reuniram-se, em setembro passado, no Encontro Internacional "O Novo Mapa do Mundo". Os textos apresentados no evento estão sendo lançados na obra "O Novo Mapa do Mundo" (em quatro volumes), pela Hucitec. A organização é de Milton Santos, Maria Adélia A. de Souza, Francisco Capuano Scarlato e Monica Arroyo.
O primeiro volume foi entitulado "Fim do Século e Globalização". Agrupados em cinco eixos, os artigos abordam os conceitos de globalização; a cultura, a técnica e o meio; a geografia econômica da globalização; e, a globalização dos lugares. A globalização é discutida, segundo as categorias tempo/espaço, no âmbito do sistema-mundo, na pós-modernidade e à luz dos conceitos de nação, mercado mundial e lugar. Tornada paradigma para a ação, a globalização reflete nos Estados-nação exigindo um protecionismo que em tese contradiz a demanda "livre e global". Porém, ao olharmos para o lugar, vemos que a globalização é perversa e excludente, pois, ao reafirmar o mesmo não consegue impedir que se aflorem os outros, resultando em conflitos que muitos tentam dissimular como competividade entre os Estados-nação e/ou corporações internacionais, sejam financeiras ou voltadas à produção. Assim, a globalização é também fragmentação quando expressa no lugar os particularismos étnicos, nacionais, religiosos e os excluídos dos processos econômicos.
O segundo volume, "Natureza e Sociedade de Hoje: uma Leitura Geográfica", apresenta os trabalhos em dois eixos: sobre a produção interdisciplinar do conhecimento; e, acerca do debate ecológico/discussão ambiental. A parte dedicada ao ensino apresenta uma revisão conceitual sobre categorias geográficas, como região, lugar, sobre o racional e o simbólico na geografia, passando pela abordagem naturalista e sua repercussão nos estudos da geografia humana. Além disso, temos reflexões que envolvem a geografia com a história, seu papel na sociedade, chegando às questões sobre o ensino e a pesquisa deste ramo do conhecimento. Também analisam-se as trajetórias institucionais da geografia no Brasil. Já no eixo debate ecológico/discussão ambiental, ressaltamos as relações políticas que envolvem temas como o das mudanças globais. As relações em curso no sistema mundial definitivamente incorporam a temática ambiental. Não são poucas as convenções que buscam regular as relações internacionais na esfera do ambiente. Inúmeros interesses podem ser identificados, como o dos produtores da biotecnologia, ou ainda dos que estão envolvidos com a produção de artefatos anti-poluição. Neste volume, estes interesses podem ser apreendidos nos trabalhos sobre a temática natureza/cidade, e nas avaliações de impactos ambientais.
No terceiro volume, "Globalização e Espaço Latino-americano", tecem-se considerações sobre a identidade/unidade latino-americana, a partir da globalização. Também são analisadas, para o caso da América Latina, as propostas de integração regional (com destaque para o Mercosul); o espaço financeiro e a reestruturação econômica, em um contexto de políticas neoliberais; as transformações urbanas; o espaço rural e as migrações. O debate sobre a situação da América Latina diante da globalização leva ao seguinte: a diminuição constante da participação da economia latino-americana no total da economia mundial indica que aquela tende ao "desaparecimento". Daí a urgência da articulação de mecanismos regionais de produção e comércio como é o caso do Mercosul. Por outro lado, reforça-se o sentimento latino-americano quando se identifica uma literatura latino-americana, ou ainda na presença dos chicanos na Flórida, expressão da fragmentação. Porém, como ficará este sentimento diante da massificação da indústria cultural? Até os megashows já chegaram ao novo mundo...
No quarto volume, "Estudos Sobre o Novo Mapa do Mundo", temos sete eixos: a problemática regional; a problemática urbana; a problemática ambiental; os movimentos e práticas sociais; a geopolítica e integração regional; a geografia e a educação; e, as formas gráficas de representação do território. É nesse volume que encontramos as reflexões sobre os movimentos sociais, suas estratégias e especificidades como agentes que atuam no local e globalmente. São analisados: o movimento feminista, numa contribuição à geografia do gênero; o movimento dos trabalhadores rurais; a geografia dos guarani-mbya; a luta pela vida, que reúne desde aqueles preocupados com a Aids, uma doença global, até os meninos de rua do Brasil, mais uma das expressões fragmentárias do lado perverso da globalização. Também são analisadas as relações internacionais ambientais na Rio-92 e as alternativas que possam advir aos países periféricos na ordem ambiental mundial.
As tranformações em curso no mundo têm na globalização sua marca de maior expressão. Se este entendimento valer ao ponto de elevá-la à condição de paradigma para os estudos contemporâneos das ciências humanas, não se pode deixar de listar a necessidade de estudar as fragmentações que ela acarreta. Assim, longe de ser uma explicação geral para os eventos que se processam hodiernamente, a globalização tem que ser vista como uma das formas de reprodução do capital, ainda mais radical que as pretéritas, no sentido de produzir excluídos.

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