São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Para Giannotti, Kurz é Fukuyama invertido

José Arthur Giannotti – O livro de Robert Kurz, "O Colapso da Modernização", apresenta semelhanças com o livro de Francis Fukuyama, "O Fim da História e o Último Homem". Ambos traçam um vastíssimo panorama da história da humanidade; ambos mostram uma arrogância desconcertante, embora neste plano o livro de Kurz bata de longe aquele de seu adversário. (...) Ambos, finalmente, vislumbram o destino dos povos da terra, conforme vão sendo tragados pelo desenvolvimento hesitante, mas linear, das ciências. E se um deles faz a apologia entusiasta do capitalismo e do mercado e o outro os condena à morte próxima, ambos possuem a mesma concepção abstrata da história, apenas com sinal trocado. (...) É difícil imaginar um novo modo de produção que não inclua formas mercantis de distribuição. Em outras palavras, nosso problema crucial não mais se põe em termos de abolir o fetichismo da mercadoria, mas de como controlá-lo. (...) Num ponto Kurz se mantém estritamente fiel a Marx, exatamente aquele que me parece ser o mais problemático. Ele é um comunista que pretende liquidar toda e qualquer produção sob forma mercantil. (Extraído de "As Diabruras Metafísicas de Robert Kurz", em "Novos Estudos" n. 36, jul. 93, págs. 48-52).
Robert Kurz – Há entre nós (na Alemanha) o conceito de grande teoria – que hoje tem sentido pejorativo. Pensar em contextos amplos passa por assim dizer por maléfico já desde a faculdade. Eu não aceito isso. Os homens continuarão a refletir sobre o universo social também em altos níveis de abstração.
Estou convencido de que é necessário recorrer à abstração exatamente para poder reconhecer os desenvolvimentos práticos, pois a eles pertencem também Estado e mercado. O que nós conhecemos como Estado, este Estado moderno de intervenção, é algo de inerente a essa modernização. Na mesma medida em que o mercado se desenvolve, desenvolve-se também o aparelho de Estado, para tornar disponíveis a esse sistema de mercado a infraestrutura, as condições marginais. Não digo que Estado e mercado sejam imediatamente idênticos, mas que são faces da mesma moeda, a saber, desse processo de modernização.
Aí também vejo um obstáculo: o Estado não tem um meio próprio para organizar a sua própria intervenção. Ele precisa recorrer aos meios de mercado – isto é, ao dinheiro. O Estado não é uma grandeza independente, que possa agir arbitrariamente; só pode agir na medida do capital – dinheiro que puder solar do processo de mercado. E quando não pode mais, ou não tanto quanto necessário – e na minha opinião este é o caso atual – não só o sistema de mercado mas também a intervenção do Estado entram em crise.
Estamos tão acostumados com isso, esse sistema está tão enraizado na nossa forma de subjetividade, no nosso pensamento, que não conseguimos imaginar que a produção e a distribuição possam se organizar de outra maneira.
Aqui na Alemanha, o que ouço com frequência como crítica é que a sociedade moderna é complexa demais para ser organizada somente com base na economia do dinheiro. Se a sociedade é tão complexa, como é que um meio tão simples, primitivo e homogêneo quanto o dinheiro, que emprega o mesmo padrão para tudo – de viagens espaciais à produção de maçãs –, poderia dar conta dela?

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