São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Bresser diz que crise é cíclica e não a última

Luiz Carlos Bresser Pereira - Mas que tipo de crise? Uma crise final do sistema produtor de mercadorias, como pretende Kurz? Não há nenhuma razão objetiva para afirmar tal fato. Kurz não apresenta qualquer evidência em seu livro. (...) Esta "teoria do colapso" é obviamente inaceitável. Só haverá colapso do sistema capitalista quando sua produtividade deixar de crescer e começar a cair. (...) Em todos os países desenvolvidos e na maioria dos subdesenvolvidos, a produtividade continua a crescer. (...) Na verdade, a crise do capitalismo é uma crise cíclica. Além dos ciclos normais, o capitalismo está sujeito aos ciclos de Kondratieff ou ondas longas. Desde aproximadamente 1970 o capitalismo entrou na fase B, recessiva, de uma onda longa de Kondratieff. (Extraído de "Colapso da Modernização ou Crise Cíclica?", "Novos Estudos" n.36, jul.93, págs. 42-48).
Robert Kurz – Eu diria antes de mais nada que vejo o problema da produtividade de maneira inteiramente diversa. Produtividade quer dizer afinal obter mais produto por unidade de capital ou trabalho, através de um influxo mais elevado de capital e de ciência, e isso significa exatamente produção de crise.
Aqui é preciso reportar-se a Marx, dar uma olhada no terceiro volume de "O Capital". Encontram-se lá afirmações que se referem exatamente a esse problema, que no século 19 e na primeira metade do século 20 ainda não tinham qualquer sentido prático – estou falando aqui de crises de implantação, de crises cíclicas do sistema produtor de mercadorias. Mas, sob as condições atuais, o aumento da produtividade significa em última análise – se se quiser traduzi-lo em categorias de mercado – concorrência repressiva, um encolhimento do mercado, do poder de compra global, e nisso se evidencia uma limitação absoluta desse sistema de mercado moderno. No que diz respeito a essa teoria das ondas longas, acredito que o argumento não é válido. Ela ofereceu explicações plausíveis ao desenvolvimento passado, no que corresponde a ciclos industriais de longo prazo, que são mediados por novas tecnologias de bases. Esse é o denominador comum de todas as teorias de ondas longas desde Kondratieff – Schumpeter também deveria ser mencionado aqui. A argumentação básica é que, depois de um período de incubação, cada nova tecnologia de base abre um novo ciclo de acumulação. Fala-se em ciclo do carvão, das estradas de ferro, do automóvel, e agora se deveria propriamente falar de ciclo da microeletrônica. Acontece que a microeletrônica não é uma nova tecnologia que absorva em grande escala força de trabalho humana, como foi o caso da Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial, como a indústria fordista.
A microeletrônica tem mais a ver com uma tecnologia fundamental de racionalização, ou seja, na sua própria produção se emprega muito pouca força de trabalho adicional. O mesmo em muitos setores, não só na indústria, mas também na administração, prestação de serviços. E com isso se "racionaliza" (elimina) também poder de compra, vivemos isso exatamente agora na Europa, em grande escala, desemprego estrutural em massa, uma situação inteiramente nova. E este é o ponto, precisamente, em que fracassa a teoria das ondas longas.

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