São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Genética tenta decifrar doença de Alzheimer

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Baseado em importante descoberta genética feita no ano anterior, numeroso grupo de neurocientistas da Universidade Duke propôs em 1993 uma nova hipótese sobre a causa da forma tardia da doença de Alzheimer, que se manifesta em cerca de 80% dos que sofrem desse mal grave de degeneração do sistema nervoso. O grupo é principalmente representado por Allen D. Roses e Warren J. Stritmatter.
A descoberta consistiu em detectar uma forma de gene responsável pela produção de uma lipoproteína (complexo de gorduras e proteína), a apolipoproteína E, transportadora de colesterol no organismo. A associação entre o gene (ApoE 4) e a doença foi confirmada em muitos laboratórios e representa fato de alta relevância.
A hipótese aventada a partir dessa descoberta foi todavia recebida com muitas restrições, em grande parte porque seus autores, em vez de atribuir a doença diretamente ao gene ApoE 4, preferiram seguir um caminho indireto. Esse caminho prevê a existência de duas variantes do gene da apolipoproteína E (2 e 3), cujo papel seria ajudar a proteger contra a doença. As pessoas que herdam o gene ApoE 4 perderiam total ou parcialmente o benefício dessa proteção.
A proteção sugerida por Roses e Strittmatter ocorreria mediante o reforço de uma proteína ("tau") contra suas alterações, por exemplo a adição de fosfatos, por ela eventualmente sofridas.
Sem essa proteção, a proteína tau perderia a capacidade de se ligar aos microtúbulos, elementos filamentosos essenciais da célula nervosa. A perturbação estrutural dos microtúbulos poderia acarretar até a sua própria morte, com repercussão na vida dos nervos.
Roses e Strittmatter descobriram que a apoliproteína E se liga à beta-amilóide, proteína cujo depósito no cérebro e em outras regiões do corpo é uma das marcas da doença de Alzheimer, embora se encontre também em outras circunstâncias. Para muitos, ela é causa da doença, mas para outros é mera consequência.
O gene para a apolipoproteína E fica no cromossomo 19. As pessoas portadoras dele (ApoE 4) são três a quatro vezes mais propensas à doença do que as que não o possuem. Aliás, a presença do ApoE 4 pode ser verificada por um teste já amplamente usado para diagnosticar uma grave perturbação do transporte do colesterol.
Entre as muitas objeções feitas à hipótese (não à descoberta) do grupo de pesquisadores da Universidade Duke figura a de não tomar conhecimento do papel da beta-amilóide, que para numerosos pesquisadores é a causa da doença de Alzheimer.
A descoberta da ligação entre o ApoE 4 e a doença despertou forte interesse entre as indústrias farmacêuticas. Assim, Dennis Selkoe, da Universidade Harvard, argumenta que a proteína fabricada pelo gene ApoE 4 interfere na remoção da beta-amilóide ou estimula seu depósito.
Ninguém afirma por enquanto que o ApoE 4 seja a causa única da doença de Alzheimer. Mas é certo que experiências como as de Roses e Strittmatter, além das de outros pesquisadores, estimulam o melhor conhecimento da moléstia e, em casos como o da frequentemente combatida hipótese dos pesquisadores da Universidade Duke, sugerem, durante os debates, muitas pistas úteis para novas investigações.

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