São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Crise na Bósnia revive esquema da Guerra Fria

JAIME SPITZCOVSKY
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE MOSCOU

A Rússia, na semana passada, viveu um momento de frenética atividade diplomática, em esforços empurrados por um medo do governo do Kremlin de uma escalada da guerra na ex-Iugoslávia. A tradicional aliança entre russos e sérvios levou o presidente Boris Ieltsin a arrancar um acordo para evitar um ataque da Otan (aliança militar ocidental, liderada pelos EUA) e assim abrandar a pressão dos nacionalistas russos e não comprometer a recente aproximação entre Moscou e o Ocidente.
Na quinta-feira, Vitali Tchurkin, enviado especial do Kremlin à ex-Iugoslávia, anunciou o acordo que prevê a retirada do armamento pesado sérvio dos arredores de Sarajevo. O Kremlin comemorou o resultado de sua iniciativa como "um triunfo diplomático", depois de ter sido ignorado no processo de decisão sobre o ultimato da Otan.
Conferência de paz
Um dia depois, a ofensiva russa continuou e o chanceler Andrei Kozirev lançou a idéia de realizar, ainda nesta semana, uma conferência internacional de paz para a Bósnia. "O significado de nossa iniciativa é obter uma participação mais ativa dos EUA para a solução do problema", declarou Kozirev.
O Kremlin quer afastar os Estados Unidos do caminho do confronto, evidenciado na opção pelo ultimato contra os sérvios. Mas o presidente Boris Ieltsin também sabe que a Rússia não pode patrocinar sozinha um processo de paz. Para os muçulmanos da Bósnia, os russos não são "parte neutra" no conflito, mas aliados da Sérvia.
Guerra Fria
A crise na ex-Iugoslávia acabou reproduzindo um esquema clássico dos tempos da Guerra Fria, com um dos personagens de um conflito se escorando no Ocidente e o outro contando com o apoio de Moscou. Só que os sérvios olham para a Rússia não como um parceiro ideológico, mas como um irmão mais velho da família "eslava e da Igreja Ortodoxa".
Tais laços se mostraram incômodos para Boris Ieltsin e obrigaram o presidente a caminhar sobre uma linha fina. No plano interno, há a crescente pressão da oposição nacionalista e comunista, que exige proteger os "irmãos sérvios e impedir a agressão do Ocidente". No campo externo, há a necessidade de se preservar a aproximação com os países ocidentais, crucial para a superação da crise e recuperação econômica.
Na balança da política interna da Rússia, até mesmo a bancada parlamentar Opção pela Rússia, composta por reformistas radicais e pró-Ocidente, asssume uma posição de cautela na questão sérvia. O deputado Vladimir Jirinovski, um ultranacionalista conhecido por suas declarações de efeito, prevê a Terceira Guerra Mundial caso os sérvios sejam atacados, prometendo a "ajuda dos patriotas russos".

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