São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Como se sentir um pato

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Com extrema frequência, as coisas da política me fazem sentir, como se diz na gíria, um "pato" –ou seja, idiota. Poucas vezes, porém, me senti tão "pato" como agora diante de uma gatunagem prestes a ser aprovada no Congresso.
Há uma gigante articulação para mudar os prazos para que os governantes deixem seus cargos e possam disputar as eleições. Querem, agora, mudar a regra do jogo. E no meio do jogo. Por quê? Simples: os candidatos cobiçam o controle da máquina administrativa para usá-la a seu favor. Mas não é exatamente esse ponto que me faz sentir idiota.
Durante a ditadura, a oposição berrava, gritava, se esgoelava porque os militares cometiam "casuísmo". A palavra entrou no dicionário da política brasileira significando mudanças de regras do jogo para favorecer um partido –no caso, a Arena e, depois, o PDS. O significado mais comum era mesmo malandragem, só assegurada, naquela época, pelas armas.
Lembro-me como ficava indignado diante do casuísmo. E, agora, as mesmas pessoas que denunciavam os truques, estão repetindo o comportamento obsceno. Explica-se: agora, são eles que estão com o poder. Não vou aqui condenar o PPR e PFL porque, nesse caso, seguem coerentes com seu passado de Arena –não têm tradição de luta pela democracia.
Alguns no PMDB, PDT e até PSDB dizem, cinicamente, que a medida é boa porque, afinal, prejudicaria a candidatura Lula –assim como se dizia, no regime militar, que uma mudança era boa porque prejudicava os democratas.
Querem acabar com o prazo de desincompatibilização? Tudo bem. É até um princípio honestamente discutível como mostrou, numa coluna, o jornalista Clóvis Rossi. Mas nunca no meio do jogo. Do jeito que está, só vai estimular a promiscuidade: os candidatos vão nutrir suas campanhas com dinheiro público. Não existem ainda mecanismos sólidos para coibir esses abusos.
É um perigo quebrar regras do jogo quando a "bola" já está rolando. É sempre uma tentação para alguém acabar logo com todo o jogo.

Texto Anterior: O ROTO E O RASGADO; DISTRAÍDA; BARRADA NO BAILE
Próximo Texto: Procura-se ministro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.