São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Falta de assunto

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Fiquei estarrecido ao ver certos analistas econômicos gastando tempo, tinta e papel para tentar provar que a bolsa caiu porque a moça apareceu sem calcinhas. É muita imaginação! Ou muita falta de assunto...
Tenho notado que determinados setores da imprensa vêm ampliando com lentes de telescópio certos problemas que, pelo seu tamanho real, cabem numa caixa de fósforo, magnetizando a opinião pública em torno de verdadeiras bobagens. Não sei se isso é intencional ou mera obra do acaso.
Enquanto isso, os países desenvolvidos se entregam à mais ferrenha competição. A revolução tecnológica continua. As empresas lançam novos produtos de hora em hora e trabalham com equipamentos sofisticadíssimos que fazem coisas até há pouco tempo inimagináveis. Os bens e serviços se tornam diversificados; cada vez mais baratos; e com qualidade melhor. Mais cedo ou mais tarde, eles chegarão ao Brasil por preços de banana, com consequências gravíssimas para toda a nação, podendo provocar, até mesmo, a destruição dos poucos empregos que ainda restam por estas bandas.
Para as empresas dos países avançados, quanto mais nos entregamos a essas conversas de tico-tico, melhor para elas. Enquanto o PIB mundial chega perto da fantástica marca de US$ 20 trilhões e Japão e Estados Unidos disputam palmo a palmo os mercados internacionais, nós aqui ficamos três meses discutindo o destino de um criminoso mau-caráter que matou a própria mulher e enrolados na retórica de um corporativismo arcaico que sonha ser possível manter, indefinidamente, os cabides de empregos das estatais ou a conhecida generosidade com que são tratados os usineiros e os especuladores.
Continuamos enredados em filigranas de regimentos internos, que atrasam a revisão constitucional, e no meio de uma briga em que um punhado de homens ciumentos (dos três poderes) pratica formas estilizadas de um corporativismo de elite. Ou então somos atingidos por frases precipitadas que, maliciosamente, passam a ser usadas como desculpa para se torpedear o único plano econômico com que conta a nação.
E tem essa estória das calcinhas... A imprensa local fez o maior estardalhaço e empurrou o caso para o resto do mundo. Os apresentadores da CNN riram à beça e gozaram do Brasil. É exatamente isso o que queriam. Os nossos competidores ficam felizes toda vez que nos enroscamos em coisas miúdas. Eles sabem que, com isso, permanecemos estagnados, deixando o campo aberto para as suas empresas entrarem no nosso mercado. Em suma: fazemos o jogo de todas elas.
O mais impressionante é que esse jogo perverso, no Brasil, é igualmente patrocinado pela falecida esquerda e pela moribunda direita e fervorosamente apoiado por conservadores caquéticos e liberais iludidos. Santa ingenuidade.
Vamos parar com isso, gente! É hora de removermos os grandes entraves da nação e atacar todos eles com rapidez e praticidade. Um país que tem tantos recursos naturais e um povo tão tolerante não pode se ater à pequenez dos microproblemas. Este é o momento de trabalhar mais e falar menos e fazer o que mais interessa para o nosso povo: criar empregos!

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