São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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uma mulher CHEIA DE ONDA; clip

GEORGE ALONSO

uma mulher CHEIA DE ONDA
Dora Bria, a brasileira que melhor windsurfa nas ondas, chega aos 35 anos linda, livre e disposta a correr pela primeira vez todas as etapas do Mundial. Espécie de Amyr Klink de maiô, viaja sempre só. Não gosto de grude, odeio turma." Ergue a vela da auto-suficiência, critica mulheres dependentes, mas quer véu e grinalda. Desde que o príncipe também sela aventureiro
Uma loira de olhos verdes e corpo enxuto desce de um avião da American Airlines no aeroporto internacional de Honolulu, arquipélago do Havaí (EUA). Ninguém a espera. Com 1,75 m e 68 quilos delineados por esporte, a moça chama a atenção. Sem qualquer ajuda, carrega 12 sacos de equipamentos que pesam 60 quilos, aluga um carro, coloca tudo no rack e desaparece rumo a alguma praia na ilha de Oahu. Dora Bria, a melhor windsurfista brasileira na modalidade "wave riding", leva a vida assim há 12 anos, no Havaí ou em qualquer outro lugar onde existam grandes ondas e muito vento. "Vivo muito bem sem ninguém", diz. Faz tudo para parecer uma Indiana Jones, mete a cara sozinha. Às vezes, até quebra.
Desde que decidiu virar atleta profissional, em 1982, Dora já arrebentou o nariz, levou pontos na cabeça e quase morreu afogada em Barbados (Caribe). Suas pernas grossas e fortes estão cheias de cicatrizes. São marcas feitas por pranchas, mastros, vergas e velas, a tralha que a peregrina leva de um aeroporto a outro, campeonato atrás de campeonato. Melhor se a prova for no Havaí, sua segunda casa. A primeira é a Barra, zona sul do Rio, onde mora. No Havaí, ela se consagra dando saltos e "loopings" sobre o mar. Escala as ondas e dá giros de 360 graus no ar, no embalo de ventos de até 37 km/h.
Lançando-se no "forward looping" -cambalhota rapidíssima a favor do vento, que acaba de aprender- e surfando com poucas mulheres, Dora Bria se move este ano para afogar sua maior frustração: a de nunca ter disputado todas as etapas d Mundial de winsurfe sobre as ondas. "Pela primeira vez vou te apoio para correr as 12 provas."
Única brasileira a frequentar o circuito internacional com regularidade, ela pretende encerrar a temporada, na pior da hipóteses, entre as cinco melhores do mundo na modalidade I I wave", onde compete com 32 mulheres de outros países. "Esse é o meu último grande desafio." Um dos primeiros ela venceu em 1983, ao se formar em engenharia química -só para provar que não era uma loira burra. "Não suportava ouvir 'ai que gracinha, olha os olhinhos dela"'. Depois, enfrentou a família, meteu os pés na tábua e escolheu um esporte em que predominam os homens e seus preconceitos.
Com a cara -bonita- e a coragem, Dora vem ganhando apelidos no Havaí, para onde vai no mínimo uma vez por ano. Em 1990, virou "rainha de Diamond Head", nome da praia em Oahu onde derrotou todas as suas rivais naquele ano. "Mas quero ser a queen de Backyards e a queen de Hookipa, a meca do windsurfe (em Maui), onde não costumo ir bem.
Em Backyards ainda não é a rainha, mas virou "gorgeous girl" para os garotões que a viram nua em fotos na revista "Playboy" brasileira de fevereiro de 1993. "São meus amigos e estão de sacanagem. Brincam." Ri, poderosa: "Mas eles me respeitam muito. Entro em mares que até havaianos evitam." A revista é um dos amuletos do clube dos surfistas daquela praia -o tal clubinho, onde mulher não entra, é só uma casa cheia de pranchas e apetrechos dos nativos.
Dora, que transpira auto-suficiência, vive e viaja às custas de sete patrocinadores que ela sabe promover como ninguém. Seu dia-a-dia, no pouco tempo em que fica na casa dos pais, na Barra, é "atribuladérrimo". "Não tenho alguém que faça qualquer coisa por mim. Aliás, nada veio de bandeja", choraminga. Aproveita e emenda uma sequência de sofrimentos bravamente suportados em competições européias, no inverno, como água e ventos gelados e pouca onda. "É prazeroso competir no Mar do Norte com roupa de borracha de seis milímetros de espessura", ironiza. Também se orgulha dos riscos do "métier": em 1991, quando foi campeã em Barbados, raspou na morte. Ao fazer uma manobra, caiu e afundou, presa entra a vela e a retranca (verga na parte inferior do mastro). Pareceu milagre. "De repente, eu respirava."
Sufoco não é mesmo com ela. "Não gosto de gente colada em mim. No Rio, estou sempre 'by myself', odeio turma. Não caio nessa de vamos correr juntos." Suas melhores amigas são as havaianas Sherri Power e Sonja Eversen, que como ela escolheram um esporte individual. "Sou fã da Sherri. Tem 42 anos, uma filha de 3, veleja muito e leva vida simples. " As brasileiras, crê a carioca Dora, valorizam nome, carro, celular, coisas superficiais".
Antigamente, para se sentir segura, Dora precisava se apegar a um namorado. Ancorou por sete anos em Roberto Mauro, dono de extensas terras no Recreio dos Bandeirantes. O relacionamento naufragou em 1990. Depois, teve vários casos ("um por vez"), mas nunca com seu tipo ideal. "Não pode ser chiclete, se não vai me sufocar. Ciúme bobinho só aceito em criança", avisa. O parceiro dos sonhos tem que ser especial como ela: aventureiro. "Todos querem casar, ter filhos, comprar apartamento. E eu quero ter um filho na selva, um companheiro que suba o Aconcágua ou corra o Paris-Dacar, tipo um Amyr Klink", sinaliza.
Está difícil mesmo. O último premiado foi um americano, Robert Janssen, que "mexe com computadores" em Miami. "Era Miami-Rio direto. Acho que tanta viagem deixou ele pobre", diz, zombando da separação. Sem companhia há seis meses ("só namoro quem valha a pena"), Dora explica que as competições a tornaram mais arisca. "A escolha errada de prancha e vela põe tudo por água abaixo. Você chora, a frustração é individual. Não tenho ninguém para repartir a culpa. " Sozinha, acha que fica mais forte e acaba amedrontando as pessoas. "Não estou desesperada, mas quero encontrar um companheiro. Sou livre, mas não a ponto de fazer produção independente". Ela tem 35 anos e pensa em deixar uma herança genética.
Avessa a cantadas e primeira a criticar mulheres-objetos, Dora não hesitou em posar nua para a "Playboy" em 1993, por US$ 50 mil. "Foi bom para a rainha carreira. E foi um bom cachê." Oito anos antes, com três quilos a menos, recusou proposta idêntica dizendo que "não tinha nada a ver com esporte". Sobre a contradição, afirma: "A cabeça muda e só hoje sei falar disso sem ficar supergrilada". Mais ou menos. Ainda reage mal se alguém insiste nesse assunto: "Estou ficando impaciente, já acabou'?".
Bajulada no exterior, onde é tratada como "brazilian star", Dora reclama das solicitações da mídia brasileira e da agenda sempre lotada de compromissos fora d'água. Para posar para a Revista da Folha, fez muita onda: as conversas que precederam os clics duraram um mês. "Agora sei o que ocorre com gente famosa. Não tenho tempo para nada. "
A estrela também não compareceu ao campeonato brasileiro de 1993, em Vitória (ES). Para a oposição, teria pesado a falta de premiação em dinheiro. Ela nega. Afirma que valoriza as "coisas simples" desde que um ex-namorado, seu primeiro instrutor de vela, perdeu uni braço em acidente de carro.
A explicação para a ausência de Dora no torneio nacional pode estar no fato de que a competição estava mais voltada para os adeptos de slalom e regata, e modalidades de windsurfe que ela abandonou. É direito seu. Afinal, como "big rider", gosta das grandes ondas. No próximo dia 4, estará em Hookipa (Havaí), para a segunda etapa do Mundial de wind nas ondas. Na primeira, em Barbados, ficou em quinto lugar. Em setembro, o Brasil sedia pela primeira vez uma etapa do Mundial, em Fortaleza. Desta vez ela deve ir.

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CATEGORIA
Nome completo: Dora Bria
Data e local de nascimento: 19.jul.58, em Botafogo, Rio de Janeiro
Pais: Vasile Bria e Dora Bria
Irmão: Mauro Bria, 40, engenheiro
Signo solar: câncer
Número de sorte: "Meu numeral na vela é BL4. Meu nome tem quatro letras"
Formação: Engenheira Química
Alguns títulos: Campeã carioca de salom (1986, 87 e 88); campeã brasileira em funboard (90) e wave (92); sul-americano de slalom (87 e 88) e funboard (90)
IN SHAPE
Algo no corpo que a incomoda: "Minhas cicatrizes incomodam quando vou tirar uma foto ou botar um vestido"
Algo no corpo que idolatra: "Meus olhos. Acho que passam uma vibração boa" Acidente de infância: "Eu era levada e, brincando de pique, quebrei três dentes"
Dieta: "Muito peixe. Como pouco frango e carne vermelha, de jeito nenhum. Adoro lula grelhada, polvo no brasa, frutos do mar"
Hora que acorda e dorme: "0 ideal é dormir à meia-noite e acordar às 7h ou 8h. Mas como foco tudo sozinha, de contatos com patrocinadores e competições a reposição de pranchas, tem dia que durmo às 3h"
Já experimentou drogas? "Não. Não bebo, não fumo. Tive um namorado boêmio. Tentei acompanhar e só vomitava. No Havaí, pakalolo é comum. Não tenho preconceito"
A BORDO
Perfume: "Sou fanática. Agora estou
usando Scape, da Calvin Klein" Batom: "Clinic"
Grifes prediletas: "Marco Rica e Frank Amaury, para festas finas. Normalmente, prefiro coisas simples da Cláudia Manhães"
Roupa para ficar em casa: "Vestidinho largo ou calca trainning e camiseta"
Onde corta o cabelo? "No José Luiz, lá na Miguel Lemos, Copacabana. Fora ele, só o David, do salão Diva's, no Havaí"
São Paulo ou Rio: "Que tal Honolulu?"
TROFÉUS
Símbolo sexual: "Kim Basinger"
Um macho man: "Dennis Quaid e Mel Gíbson. Quaid tem charme"
O primeiro beijo: "Não sabia como era Tinha 14 anos, achei nojento"
A primeiro transa: "Aí já é muita intimidade. Não vou dizer"
Melhor cantada que levou: "Uma ver um amigo ficou me vendo velejar na Barra umas três horas e dormiu. Eu já estava indo embora quando ele acordou e veio correndo: 'Pó, não vai embora, tô te esperando há horas'. Falou de um jeito tão engraçado que viramos grandes amigos"
Melhor cantada que deu: "As pessoas ficam um pouco intimidadas comigo. Então, sou direto. Minha vida é muito rápida para fazer loguinho. Na maioria das vezes eu até ajudo o cara, convido para sair"
POSE
Melhor lugar para fazer amor: "Na cama, de preferência bem macia"
Uma fantasia não-realizada: "Casar de véu e grinalda no igreja (risos). Só não encontrei o cara certo ainda. Vai ser no nascer do sol ou ao entardecer, numa igreja pequena, antiga, com vista para o mar, só com amigos e poucos parentes"
Homem elegante: "Anda de jeans, camiseta simples e sabe se comportar" mulher brasileira: "Quer ser madame, curtir praia e academia- Não é a minha"
SEM VENTO
Já traiu? "Sou superfiel"
Já se sentiu traída? "Várias vezes, por pessoas nas quais depositei confiança"
Já foi esnobada? "Não me lembro" à apanhou? "Dos meus pais, levei beliscão e tapinhas, é mole? Mas agradeço a
educação que recebi"
Quando chuta o pau da barraca: "Quando procuro patrocínio e recebo cantada de empresário. É desrespeito, tipo 'comprei a sua idéia, mas vou dar um tentadinha'. Fico doente"
Já fez algo ilegal? "Como todo bom brasileiro, às vezes pego uma contramão"
Já bateu em alguém? Não. Já quebrei um troféu de segundo lugar num torneio, de raiva. Eu ganhei, mas armaram por inveja e me tiraram o primeiro lugar"
EQUIPAMENTO
Um livro de cabeceira: "De vez em quando leio trechos do 'Bíblia"'
Um filme: "Gostaria de ter participado do 'imensidão Azul', adoro mergulhar, Também
gostei do 'Ghost"'
Uma virtude: "Ser determinada"
Um defeito: "Sou ansiosa '
O que é ser jovem? "É rir da vida, dos problemas, estar ligado à natureza"
O que é ser velho? "É reclamar de tudo"

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