São Paulo, quarta-feira, 23 de fevereiro de 1994
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Oshima é um mero convidado em 'Max'

LÚCIA NAGIB
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Filme: Max, Mon Amour
Diretor: Nagisa Oshima
Produção: França, 1986
Elenco: Charlotte Rampling, Anthony Higgins
Onde: Sala Cinemateca
Quando: Hoje, às 21h30; sexta, às 16h30; sábado, às 22h45

Desde fins dos anos 60, o japonês Nagisa Oshima, com o radicalismo político, as ousadias eróticas e as inovações formais de seus filmes, é o xodó dos franceses. Foi a Argos de Anatole Dauman, o mecenas do cinema de arte, que financiou "O Império dos Sentidos", obra-prima do erotismo que abriu para o diretor o caminho internacional. Depois de "O Império da Paixão", também subsidiado por Dauman, Oshima arriscou mais, filmando "Furyo" em território estrangeiro e com uma equipe mista de japoneses e ingleses.
"Max, Mon Amour" foi o ápice dessa evolução. O produtor francês Serge Silberman, outro amante do cinema de arte, foi buscar Oshima no Japão para oferecer-lhe um filme, com a seguinte condição: tudo (o roteiro, os sets, a equipe, os atores) tinha que ser francês, ou ao menos ocidental. Mesmo o diretor, único japonês do projeto, deveria se mudar para Paris por dois anos. Não espanta, portanto, que em "Max, Mon Amour" Oshima pareça um convidado em seu próprio filme.
O argumento de Jean-Claude Carrière (que escreveu o roteiro a quatro mãos com o diretor) narra a relação amorosa entre uma mulher e um chimpanzé. Estaria portanto, segundo imaginaram os franceses, ao gosto do japonês, que já encenara fartamente o homossexualismo, o sado-masoquismo e perversões de todo gênero. Mas, no filme pronto, evidencia-se o quanto essa história se distancia da agressividade erótica e criminosa que Oshima ostentava contra a sociedade repressora, uniformizada e coletivista do Japão. A perversão imaginada por Carrière surge pela razão oposta, ou seja, pela ausência de limites na sociedade burguesa européia, cujo tédio sobrevive a toda permissividade.
Margaret (Charlotte Rampling) e seu marido, o diplomata inglês Peter (Anthony Higgins), já incorporaram o adultério na rotina de ambos e vivem em harmonia. A descoberta do amante inusitado –Max, um chimpanzé que Margaret arrancou do fastio de um zoológico– provoca uma revolução familiar. Peter o leva para morar em sua casa, e a vida de todos, incluindo o filho, a empregada e as eventuais visitas, começa a girar em torno do macaco e da grande curiosidade: como é que Margaret e Max se amam?
Os buracos de fechadura e as tentativas de espionagem se multiplicam, permanecendo, porém, a "grande revelação" vedada para o marido e o público. Para poupá-los de mais uma comprovação do tédio? Talvez, mas sentimos saudades do antigo voyeurismo de "O Império dos Sentidos", no qual o espião era forçado a participar do jogo erótico e seu olho transformado em metáfora de violação sexual. É o Buñuel do olho e da navalha, mais do que o de "Discreto Charme da Burguesia" (este, com roteiro de Carrière e produzido por Silberman) que se aparenta a Oshima.
Em "Max, Mon Amour", o diretor se auto-impôs um classicismo de quem se encontra constrangido em casa alheia. Mesmo o operador Raoul Coutard, que fez loucuras com sua câmera na mão em "Acossado" e tantos outros filmes da "nouvelle vague", parece estar vestido numa camisa de força.
A câmera fixa, tomando planos médios e closes convencionais, tira-lhe a marca de autoria, no mesmo processo de despersonalização de Oshima. Se deste ainda resta alguma opinião própria, é na composição exessivamente limpa, nos semblantes perfeitos e na loirice ofuscante de Charlotte Rampling, muito no estilo da imagem idealizada que os japoneses às vezes fazem dos ocidentais.

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