São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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Glossário reúne as ensaístas brasileiras

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Ensaístas Brasileiras" reúne em um volume grande parte das mulheres que escreveram sobre letras e artes no Brasil -em jornais, revistas e livros- de 1960 a 1991. Pesquisa realizada por Heloísa Buarque de Holanda, 54, e Lucia Nascimento Araújo, 47, o volume é um levantamento bibliográfico, composto por 622 verbetes apresentados em ordem alfabética, espécie de "Who's Who" (Quem é Quem) no cenário da reflexão crítica feminina do país nos últimos 150 anos.
Os verbetes identificam as autoras através de biografia resumida e bibliografia correspondente. Segundo as autoras, o termo ensaísta foi escolhido arbitrariamente, pela "constatação de que o pensamento crítico feminino nas artes e na literatura, abundante como este trabalho comprova, realizou-se em formas e espaços muitas vezes marginais e diversificados."
Embora o termo não seja preciso o bastante para incluir definições de atividades mais simplificadas como a de uma resenhista ou mais complexas como a de uma cronista, as autoras escolheram-no exatamente porque optaram "por dilatar as noções tradicionais de ensaísmo e de crítica literária, absorvendo as possíveis fronteiras destas práticas onde o pensamento feminino sobre a literatura e as artes tenha se desenvolvido e circulado".
Livro útil -não só pela sua característica de dicionário, mas pela tentativa de fixar a fraca memória brasileira-, "Ensaístas Brasileiras" conta com um valioso prefácio onde Heloísa Buarque de Hollanda faz uma análise da historiografia feminina no país desde fins do século passado.
Quanto as autoras, há mulheres para todo tipo de gosto: das mais antigas, como a abundante cronista (e escritora) Rachel de Queiróz ou a nem tão assídua critica de artes plásticas (e pintora) Tarsila do Amaral, falecida em 1973; delas, às mais contemporâneas, e nem tão famosas, Ana Maria Bahiana (jornalista) ou Ivia Alves (professora). Há mulheres de uma obra só, ou de páginas de bibliografia.
A despeito de já sairem um tanto desatualizadas -e com pequenas omissões e alguns erros de informação, como, por exemplo, no verbete referente a esta resenhista que aqui escreve (exemplo que somente cito porque me servirá para comentário adiante), onde está incompleto meu nome e errados o título de um de meus romances e a minha profissão-, obras como estas são mais que necessárias.
Para encerrar, vale mencionar aqui dois problemas técnicos enfrentados pelas autoras na confecção das biografias: 1) selecionar e normatizar entre o amontoado de nomes de solteira, casada, divorciada, viúva e "outros" de mulheres com identidade emprestada de maridos (e é incrível que até hoje mulheres continuem adotando sobrenomes de maridos como se fosse a coisa mais natural do mundo!); 2) descobrir a idade de várias delas.
Sobre este último problema, as autoras dizem: "com relativa frequência, encontramos certa dificuldade em localizar, ou mesmo obter através de questionários, informações sobre a data de nascimento das autoras. Frente à evidência das pressões culturais que regem o território negro da "idade das mulheres", respeitamos politicamente, a sonegação deste dado, não apenas sintomático mas, sobretudo, registro expressivo das tensões que envolvem a inserção das mulheres no espaço público."
Inacreditável, mas verdadeiro . Em muitos verbetes não aparece a data de nascimento. Só esta preocupação obsessiva das mulheres com o envelhecimento já vale um estudo. Pensei no meu próprio exemplo, folheando "Ensaístas Brasileiras". Desconfiei que meu nome constasse do livro (embora eu não passe de uma resenhista insignificante), quase dei um berro quando encontrei: É o fim! me incluiram numa enciclopédia ! É o fim! estou velha! Estou morta!".
Minha preocupação foi etária, embora não me importasse o fato em si de minha data de nascimento constar da biografia. Estranhei estar incluída, como palavra morta, num dicionário. Era como se tivesse nascido em 1905.
Aliviou-se o fato de eu ser uma das mais novas, uma das poucas na casa dos 30 anos. Em seguida me senti ridícula, apenas uma mulher apavorada com a realidade do envelhecimento. Ou ainda, vi que estava lidando com o livro como a feiticeira de "Branca de Neve" lidava com o reino: "Espelho, espelho meu, existe alguém nesse livro mais nova do que eu?" Sim, havia 10, 20 Brancas de Neve. Era aniquilar todas elas, envenena-las com inocentes maças!

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