São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 1994
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RATOS DO PORÃO

MARCEL PLASSE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Seis ou sete crianças barrigudinhas, diante de uma mesa coberta por pó e papelotes. Muita droga. Só o braço do traficante no enquadramento. A foto ("Kids with Cocaine", de Nair Benedito) ilustra a capa do novo disco do Ratos de Porão.
No encarte, mais kids: Gaddafi, Franco, Hitler, Mussolini e Papa Doc, fotografados na infância. Crianças, drogas, crime, fascismo e, fechando o ciclo, música infantil: isto é "Just Another Crime... In Massacreland".
João Gordo canta em inglês, português, italiano e japonês inventado. Os créditos de identificação dos integrantes da banda são escritos em finlandês. O disco é produzido por um inglês que mora nos Estados Unidos. Totalmente esquizo.
"Just Another Crime... In Massacreland" chega às lojas dia 10 e introduz o novo baixista da banda, Waltão, ex-Não Religião, e um novo colaborador nas letras, Juninho. O disco marca nova etapa na carreira dos Ratos. "É um disco muito sério", diz João Gordo. Alex Newport, músico do Fudge Tunnel, produz. "Foi a melhor coisa que a gente podia ter feito", diz o vocalista.
A principal característica da produção de Alex é o som de caixa aguda, estilo que marca bandas que fundem metal e industrial, como Helmet, Therapy? e o próprio Fudge Tunnel. Aberto a influências, "Just Another Crime..." é o disco "grunge" dos Ratos. Em outras palavras, "o disco não é porrada como os outros, tem várias músicas que podem tocar em rádio". Em compensação, outras tantas músicas são tão ou mais sujas e agressivas quanto as incursões pelo hardcore clássico do passado.
Ratos agora quer ser uma banda internacional. "O primeiro passo a gente já deu", conta o vocalista. "A Roadrunner tinha uma imagem horrível da gente, de podrões drogados. Agora, eles nos vêem como responsáveis."
A única letra em português, "Suposicollor", sobre cocaína e poder, é impublicável. "É a letra mais forte que já fiz", diz João. Medo de processo do ex-Presidente? "Processo do Collor? Ele é que merece ser processado por ter ferrado a gente".
Drogas tiram o sono da banda. As letras de "C.R.A.C.K." e "Bad Trip" são inspiradas por "experiências horríveis que tivemos". "Money" e "Massacreland", que abrem o disco, atacam a corrupção das drogas. "As pessoas fazem tudo por dinheiro ou por farinha", alerta João. "Por causa de farinha, o policial traficante mata criança e o povo da favela."
Outro medo, o avanço do fascismo e do nazismo, inspiram "Quando ci Vuole, ci Vuole" e "Real Enemies". "Os verdadeiros inimigos são os nazistas", diz João. "As pesquisas mostram que os caras tão crescendo. E teve esse caso da filha do Mussolini ter ganho uma pá de voto na Itália..." Os Ratos amam a Itália, onde tocaram em 90. O título de "Quando ci Vuole, ci Vuole" (quando se quer, se quer) saiu de um pôster de um squat de Milão.
Mais paranóias: menores abandonados, "que vão ter que matar e roubar para sobreviver" ("The Right Side of a Wrong Life"), e dietas ("Diet Paranoia"). "Entrei numa academia e estou frequentando endocrinologista", confessa João. "Por causa do meu joelho. O peso força bastante, dói demais. Teve uma época que eu ficava doidão com os remédios pra emagrecer, chegava a bater a cabeça na parede."
Tem ainda "Video Macumba", inspirada por um video asqueroso de Mike Patton, do Faith No More. "É cabuloso: cenas de acidente horrível, mulheres penduradas pelos peitos, político dando tiro na cabeça. Dá pra ficar impressionado."
A parte light do disco fica por conta de dois covers: o flash back de "Ultra Seven No Uta", tema de uma cultuada série japonesa de monstros, e "Breaking All The Rules", de Peter Frampton, que foi trilha de cigarro. "Por mais sério que seja, disco do Ratos tem que ter palhaçada", diz João. As músicas remetem à infância e adolescência do vocalista. "Sei cantar tudo que é música de seriado antigo em inglês que não existe", ele confessa. "Breaking All the Rules", por sua vez, fala de crianças. Tematicamente perfeita.

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