São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 1994
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A questão sindical

ALMIR PAZZIANOTTO

Nenhum de nós ignora as extraordinárias contribuições trazidas pelos sindicatos de trabalhadores às lutas democráticas travadas nas últimas décadas e tampouco subestima sua participação nas conquistas sociais, políticas e jurídicas das classes assalariadas.
Devo observar, entretanto, que, vivendo o país inesperada combinação de plenitude democrática com insolúvel crise econômica, as organizações sindicais parecem haver perdido as perspectivas dos grandes problemas, para se limitarem aos interesses corporativos ou aos assuntos das respectivas categorias, dando prioridade à defesa do monopólio de representação e da arrecadação de quotas compulsórias junto aos não-associados.
Além das algazarras protagonizadas por minorias mobilizadas em favor de algumas estatais ineficientes, tema algum de repercussão nacional tem sido enfrentado com resolução pelas entidades integrantes do sistema confederativo ou pelas centrais.
A recessão, o desemprego, a inflação, a inserção do Brasil na economia mundial, nossas deficiências no setor de formação profissional, o rápido avanço dos concorrentes, a maré neoliberal, a invasão dos importados, a fuga dos investimentos produtivos, nada parece preocupar os novos sindicalistas, cujas energias se teriam esgotado lutando contra o autoritarismo ou deflagrando milhares de greves.
A revisão geral da legislação trabalhista, ainda hoje centrada em torno da CLT e de seu projeto político, poderia ser objetivo do movimento sindical, sobretudo após o advento da Constituição de 1988. Contudo, nem sequer o item I do seu artigo 7º –aquele que trata da proteção do emprego "contra despedida arbitrária ou sem justa causa"– mereceu esforço regulamentador dos dirigentes com assento no Congresso Nacional.
Fica a impressão de que todos aceitam como definitiva a solução prevista pelo artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, conferindo ao empregado dispensado tênue compensação financeira, calculada sobre os depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Ao longo dos anos tenho ouvido fortes declarações acerca da superioridade das soluções negociadas sobre as decisões judiciais, e constantes propostas de implantação do contrato coletivo, que se converteria em fonte principal de direitos e deveres para empregadores e empregados e instrumento de prevenção e solução dos conflitos individuais e coletivos. Não consigo perceber, porém, da parte dos dirigentes sindicais –e aqui me refiro a empresários e trabalhadores– disposição para substituírem a tutela legal por modelo autônomo que os obrigaria a se fazerem mais presentes e participativos junto às suas bases.
A mesma perplexidade que toma conta do sindicalismo nacional é visível nas organizações sindicais dos países desenvolvidos. O malogro do socialismo soviético, a consolidação do capitalismo, a certeza da impossibilidade da substituição das empresas privadas por empreendimentos coletivos, a evolução das formas de trabalho assalariado e o abandono da idéia de vê-lo banido da face da Terra, o predomínio do setor terciário sobre a mão-de-obra industrial obrigam a elite do sindicalismo a reexaminar suas posições históricas, filosóficas e políticas, afastando velhos compromissos com a luta de classes e assumindo posições favoráveis à reorganização da economia em bases menos conflitantes e mais cooperativas.
Nossos dirigentes sindicais, com experiências acumuladas em frequentes viagens ao exterior, deveriam ter-se dado conta da relativa importância que temos no cenário internacional, onde estamos sendo ultrapassados por países que há poucos anos se exauriram em guerras de libertação, ao preço de milhões de mortos e mutilados, ou praticavam rudimentares atividades econômicas.
Também deveriam estar considerando o fato de não possuirmos poupança interna em volume suficiente, bem como as dificuldades de lançarmos empréstimos externos ou de atrairmos investidores para atividades geradoras de empregos.
Seria ótimo se alcançássemos um pacto, reunindo o Estado, trabalhadores e empresários, facilitando a retomada gradual do crescimento econômico e proporcionando adequada distribuição de renda; preservando os empregos remanescentes e permitindo a criação de novos, mas não obstruindo o avanço tecnológico; reduzindo a carga tributária e provocando o aumento da arrecadação; estabilizando a Constituição e todo o ordenamento jurídico, para torná-lo acessível à compreensão do povo, mas conservando o aberto debate democrático.
A reorganização da economia exige sabedoria, coragem e determinação. Não só do governo, mas de toda a sociedade nacional. Ainda assim não será simples, nem rápida, pois devemos contar com pouco apoio, e muita resistência, dos nossos competidores.
Pensem nisso os dirigentes sindicais, e com certeza concordarão quanto à necessidade de algum tipo de entendimento.

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