São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 1994
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Controle do Judiciário

LUIZ FLÁVIO GOMES

A controvertida questão do controle externo do Poder Judiciário, pelo que parece, está ganhando seus contornos finais. De acordo com o que foi divulgado (Folha de 17/02/94, pág. 1-4), o relator da revisão constitucional, deputado Nelson Jobim, teria celebrado um "acordo informal" com alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a composição e competência do chamado Conselho Nacional de Justiça, que seria presidido por um membro do STF e teria como órgão executivo um corregedor nacional.
A magistratura de carreira está estarrecida, decepcionada. Pior que isso, para a independência judicial e para o país, é impossível! Aliás, fosse tudo verdade, o que estariam tramando, numa linguagem escrachada, mais parece um deselegante e reprovável "conchavo" que qualquer outra coisa.
Visando implodir o poder exercido com certa frequência de forma arbitrária e antidemocrática por algumas cúpulas do Judiciário, muitos progresistas adotaram a idéia do controle externo, sustentando que a sociedade civil tem de fiscalizar os juizes. Mas jamais podiam imaginar que semelhante idéia fosse tão bem recebida (e utilizada) por segmentos mais conservadores da nossa sociedade que desejam, evidentemente, a manutenção do status quo. A conclusão é paradoxal, mas inevitável: uma idéia tida como progressista rapidamente se transformou em bandeira conservadora! Quem diria?
Custa-nos acreditar na veracidade do "acordo" noticiado. Mas imperiosa tornou-se a seguinte reflexão: o STF é (ainda) o órgão de cúpula do Poder Judiciário nacional. Nos dias atuais, entretanto, é muito questionável essa sua supremacia (que agora gostariam que fosse hierárquica também) sobre os juízes de carreira.
Argumentam que se ele se encarregasse com presteza de sua função sublime de guardião da Constituição, já seria muito bom (e certamente não seria estigmatizado como o "tribunal das liminares", em virtude do tempo que demora para julgar o mérito de alguns casos).
Em consonância com a moderna doutrina constitucional européia, a melhor posição para o STF é a de Corte Constitucional. Alguns chegam a sustentar que seus membros devem ter mandato certo. É um tribunal que deveria estar fora do Judiciário porque sua composição (e, muitas vezes, suas decisões), no mundo inteiro, é política. Como órgão político ele não se coaduna com ser a expressão máxima da magistratura (tida como) técnico-jurídica.
Muitos parlamentares (deputado Roberto Freire, senador Pedro Simon etc.), acolhendo tais teses, apresentaram propostas para a revisão constitucional. Percebe-se facilmente que o STF é hoje um tribunal ameaçado. Querem cortar uma parcela do seu poder. Será que essa ameaça concreta teria levado alguns dos seus membros a aceitar um fabuloso "consenso"? Para não perder o status e a hegemonia (no sentido concebido por Gramsci de direção, controle), será que estariam barganhando o controle externo da magistratura e transigindo com o futuro da independência judicial?
O controle que teria sido aceito ("conchavado"?) seria externo porque dele se encarregariam também alguns juristas não integrantes do Judiciário, como um representante da OAB e um do Ministério Público. Todos "indicados" pelo STF. É abominável e profundamente censurável não só a composição externa, senão também o sistema de cooptação, como sugerido, que é a marca registrada do chamado modelo empírico-primitivo de Poder Judiciário (Zaffaroni), muito difundido nos países do Terceiro Mundo.
Em vez de marcharmos para o progresso, para o modelo democrático, onde os juízes elegem seus órgãos de comando, estão querendo impor o clientelismo, o cartorialismo e o elitismo.
A decepção da magistratura de carreira, só com o que foi noticiado, já é muito grande. Mas existe a esperança de que tudo não passou de um mal-entendido. Os ministros do STF, como sempre fizeram, saberão honrar a tradição deste colendo tribunal.
Do contrário, seria o caso de se homenagear um dos nossos mais expressivos locutores esportivos: "Fecham-se as cortinas e termina o espetáculo". É que estaríamos diante do ocaso do Judiciário. Sem "feeling", todos que contam com tempo para a aposentadoria certamente diriam "goodbye" e subscreveriam a clássica recomendação: o último que apague as luzes, caso ainda exista alguma no fim do túnel.

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