São Paulo, sábado, 5 de março de 1994
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Uma biografia sob pressão

CARLOS EDUARDO MOREIRA FERREIRA

Nenhum governo ou política econômica está assentado sobre esta ou aquela personalidade. O mundo não gira em torno de uma só pessoa. O que caracteriza a política, conforme Hannah Arendt, é o agir conjuntamente, que entreabre novas perspectivas e dá margem a oportunidades.
Especificamente, no que diz respeito à atual política econômica, seu eventual sucesso ou fracasso não está ancorado exclusivamente na pessoa do ministro, mas na ação da equipe ministerial, na participação favorável dos agentes econômicos e na sintonia que puder ser criada entre os diversos segmentos da sociedade, reagindo por meio dos seus legítimos representantes.
Sob alguns aspectos, é importante que o ministro permaneça, pois o plano é fruto da sua gestão e foi costurado política e economicamente por ele. Fernando Henrique é uma pessoa de inegável talento e demonstrou ter experiência e credibilidade ao assumir o cargo e manter pessoalmente um diálogo intenso com a sociedade. Sua permanência à frente do ministério poderá ajudar a manter a identidade das propostas originais do plano e zelar para que não se descaracterize por força de interesses menores.
Mas essas qualidades não devem servir de argumento para truncar seu futuro político. A biografia do ministro, atualmente sob pressão do cargo que ocupa e da perspectiva que se abre com as eleições deste ano, vive o momento difícil das definições estratégicas. Esta é uma decisão de foro íntimo.
Ao lado do ministro existe uma equipe capacitada, formada por profissionais qualificados que, no caso de haver um substituto, poderá levar a bom termo a missão, pelo menos sob o ponto de vista técnico. Já politicamente seria necessário que se escolhesse um nome respeitado, nacionalmente, com capacidade de articulação no Congresso Nacional e na sociedade civil e apoiado pelo presidente da República –que aliás vem respaldando integralmente a ação do atual ministro.
Obtida tais condições, não será absolutamente essencial que Fernando Henrique Cardoso permaneça no cargo. Considerando que se inicia uma fase fundamental da consolidação do plano no âmbito do Congresso Nacional, a figura do senador Fernando Henrique teria importante papel a desempenhar como articulador naquela casa.
O fato é que, com ou sem Fernando Henrique, o plano depende das reformas estruturais exigidas pela sociedade. Estamos em pleno período de implementarmos essas mudanças, com a revisão constitucional em andamento, e não podemos perder essa chance.
O país não pode depender exclusivamente de medidas de caráter monetário. O deslanche das reformas mencionadas está na ordem do dia. Somente com ataque decisivo ao desequilíbrio das contas públicas, causa principal do processo inflacionário que penaliza a todos, poderemos conviver com um mínimo de tranquilidade para implantarmos medidas que nos levem a um desenvolvimento sustentado.
É importante que a sociedade se conscientize e se mobilize em torno dessas reformas para acabarmos de vez com o instável quadro brasileiro.

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