São Paulo, segunda-feira, 7 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A arma de Gal Costa

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – No carnaval tivemos a exibição de Lílian Ramos ao lado do presidente Itamar. A moça foi devidamente esculhambada e contra ela gastaram-se sinônimos que designam aquela que é considerada a mais antiga das profissões. Agora, estreando o show no Méier, Gal Costa exibiu os seios –mas ninguém deve pensar numa aproximação com a moça da Sapucaí. A própria Gal, provavelmente instruída pelo diretor do espetáculo, antecipou-se a qualquer crítica e declarou que a atitude era "postura política, uma arma".
Ainda bem. Não me dei ao respeito de assistir ao show, mesmo assim folgo de lá não ter ido. Admiro a cantora há muito, tenho CDs com sua bela voz e, quando viajo, levo alguns deles para dar a amigos lá fora que também a apreciam. Inaugurando sua fase política, ela demonstra estar bem equipada. Pessoalmente, achei os seios um tanto combalidos, conheço mulheres que, aos 50 anos (idade da qual a cantora se aproxima), têm armas bem empinadas, "em posição de tiro" –segundo o poema de Tagore. Evidente que ela teve motivos para só agora exibir o seu arsenal, e não aos 18 ou 22 anos, quando cantava "Que pena!", de Jorge Ben, em duo com Caetano Veloso. Na época, a postura política teria sido mais postura e mais política: vivíamos um período brabo e os seios de Gal seriam realmente uma arma contra a ditadura, um logotipo de liberdade contra a opressão.
Acho que a atitude veio um pouco tarde, em todos os sentidos. Como arma, continuo preferindo a de Lílian Ramos, embora não aprove nenhum tipo de força, como não aprovei aquele médico judeu que exibiu sua metralhadora e matou mais de 40 palestinos numa postura também política.
Vamos esperar novas demonstrações de arma da turma do showbiz. Gal –mais uma vez– mostrou o caminho da postura política que os tempos exigem. Daqui para a frente, nos festivais de rock, nos bailes punk e em todos os eventos –alternativos ou não– da cultura popular teremos a exibição de armas dos mais diferentes calibres e intenções. Não faltarei ao próximo show do Sivuca.

Texto Anterior: O corporativismo da batina
Próximo Texto: Árabes e israelenses
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.