São Paulo, quarta-feira, 9 de março de 1994
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A questão não é o sistema, é o homem

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Se a questão dos cinco do Matinas desvia o foco da discussão sobre o principal problema do time de Parreira, serve também como fértil campo de reflexão.
Lembro-me, por exemplo, que, durante dois anos antes da Copa de 82, o Jô Soares criou um tipo que malhava todo dia na TV o refrão: "Bota ponta nesse time, Telê". E nessa época a seleção tinha um ponta, ora Zé Sérgio, depois Éder. Mas Jô queria dois pontas-pontas, como rezava a cartilha dos botequins. Era uma moda fora de moda. Só que o povo não sabia, e fazia coro com Jô (ou vice-versa, não importa).
E o que Telê queria? Simplesmente conjugar, no mesmo time, a elite de nossos craques, do meio-campo pra frente: Cerezo, Falcão, Zico, Sócrates, além do implacável Serginho Chulapa, a quem o estereótipo de grosso não faz justiça ao seu verdadeiro futebol.
Pois foi sem um ponta-direita típico que o time de Telê encantou na Espanha, jogando como nunca pelas pontas.
Ah, sim, não ganhamos nada em 82. Também como não ganhamos em 30, 34, 38, 50, 54, 66 e 74 jogando com os tais pontas. Mas, com exceção do time de 50, nenhuma outra seleção perdedora foi tão reverenciada como a de 82. Está ali, preservada em ouro, ao lado da Hungria de Puskas e da Holanda de Cruyff.
Em contrapartida, levantamos o tri, em 70, com dois falsos pontas: Jairzinho pela direita, Rivelino pela esquerda. Pois, já naquela época, o futebol evoluía para a compactação da equipe e a versatilidade do jogador. Fatores que mais e mais passaram a atuar sobre o jogo da bola.
Hoje, o time ideal é aquele que possua defensores capazes de se transformarem em habilidosos atacantes, de acordo com as circunstâncias, assim como de atacantes que saibam defender com a mesma precisão de um zagueiro. O time ideal, obviamente, não existe. Se existisse, deixaria de ser ideal.
As táticas acabaram por se fundir num só princípio: defender e atacar com o máximo possível de jogadores, pois o jogo, em si, se resume em três movimentos básicos e imutáveis –defender, armar e atacar. Acontece que a meta, o sentido do jogo é a conquista do gol. Logo, tanto o ato de defender quanto o de armar devem estar imbuídos do espírito de atacar.
Nesse sentido, estou ao lado do Matinas. Deixo sua companhia quando ele especifica Edmundo, Bebeto, Romário, Dener e Muller como o esquadrão de vanguarda na cruzada pela implantação desse espírito na nossa seleção. Pois eles são a negação disso tudo. São cinco especialistas, ultradependentes, que praticam um futebol feito de espasmos individuais. Isso não quer dizer que não haja lugar para esse contraponto num time moderno. Ao contrário, há e deve haver. Só não pode ser a tônica do jogo, que exige, sobretudo, constância, equilíbrio e harmonia. É o mesmo que regredirmos aos tempos do Jô clamando na TV pelos pontas do Telê.
A questão, portanto, não é o sistema. É o homem. Com Rijkaard, Gullit e Van Basten, o Milan era um time brilhante e ofensivo. Sem os três, jogando no mesmo sistema, é apenas uma equipe segura, superior, até campeã, mas opaca.
Assim, Matinas foi tomado pelo espírito certo, enquanto Parreira defende o sistema correto. Ambos, porém, falham na escalação. Nem os cinco atacantes de Matinas, nem os quatro armadores de Parreira. A terceira via costuma ser a mais próxima da verdade. Dou uma dica: o nó está em Zinho, Dunga e Raí. Zinho e Dunga, pelos seus próprios estilos. Raí, pela inexplicável perda de tônus técnico, físico e mental. Na mesa, ficam os nomes de Mazinho, Cafu, Rivaldo e Viola. Escolham o jogo, senhores.

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