São Paulo, sexta-feira, 11 de março de 1994
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Mão-de-obra infantil é de 2 milhões

LUIZ CAVERSAN
DA SUCURSAL DO RIO

Um contingente equivalente à população dos Emirados Árabes. Ou um pouco menos que a população da Jamaica. Ou quase três vezes a população do Chipre. Trata-se de um exército considerável, força importante na massa trabalhadora brasileira, nada menos que 1,9 milhão de pessoas ocupadas. Estaria tudo muito bem não fosse um exército de miúdos, crianças entre 10 e 13 anos que as contingências da vida colocaram no mercado de trabalho, longe da escola, das brincadeiras, da família.
Este dado –14,2% das 13,7 milhões de crianças entre 10 e 13 anos já trabalham– é definido pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, como "um tapa na cara". Um tapa, diga-se, que além de imoral é absolutamente ilegal, uma vez que em dois de seus artigos a Constituição Federal proíbe terminantemente o trabalho de nenores de 14 anos: "Art. 7º, item XXXIII – Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz". "Art. 227, parágrafo 3º, item I – Idade mínima de 14 anos para admissão ao trabalho".
As estatísticas, porém, desdenham da legislação e revelam números vergonhosos para o país. Como o que indica que a maioria das criançcas trabalhadoras se encontra no Nordeste do país, ocupadas na lavoura (621 mil, contra 263 mil que labutam nas cidades).
Na região sudeste (segunda colocada na exploração da mão-de-obra infantil) ocorre uma espécie de "competição geográfica" na exploração: cidade e campo praticamente se dividem, de acordo com o Estado, na captação do pequeno trabalhador. São Paulo sobressai dentre os quatro Estados da região: são 144 mil crianças entre 10 e 13 anos trabalhando nas cidades, contra apenas 57 mil no campo. Em Minas Gerais, que é o Estado do Sudeste com mais mão-de-obra infantil, a diferença é de exatos 10% (106 mil crianças labutando nas cidades versus 116 mil nas lavouras). No Rio, a cidade fica com 46 mil pequenos trabalhadores contra somente 17 mil no campo e no Espírito Santo o quadro volta a se inverter: cidades com 13 mil e campo com 28 mil.
Com relação aos habitantes das nove regiões metropolitanas do país, o quadro de sacrifício para a criança que deveria estar na escola em pleno ciclo básico de instrução também não é nada alentador. Também neste caso há uma cruel equivalência de região para região: as porcentagens relativas ao número de crianças envolvidas na força de trabalho varia de pouco mais de 7% a 3%.
No topo desta perversa escala da exploração da mão-de-obra fica a região metropolitana de Salvador (7,2% das crianças entre 10 e 13 anos trabalham por ali). Na sequência vêm Curitiba (com 6,5%), Recife (5,4%), Belém (5,1%), Belo Horizonte (5%), Fortaleza (4,9%), Porto Alegre (4,8%), Rio de Janeiro (4,7%) e São Paulo (3,2%).
Traduzindo para números um pouco menos frios, trata-se de uma subforça de trabalho que envolve mais de 180 mil pequenos brasileiros. Seria como esvaziar umas 150 escolas de primeiro grau de São Paulo e obrigar todos os seus alunos a irem para a rua. Se virar. (LC)

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