São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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Um duelo como os de antigamente

MOACIR SCLIAR

Os dois chegaram à lanchonete quase ao mesmo tempo, antes da hora marcada, como costuma acontecer aos apaixonados. Olharam-se feio, trocaram um seco cumprimento, e entraram. Para surpresa de ambos, ela, a amada, já estava lá –e de cara amarrada.
–Vocês devem estar querendo saber porque marquei este encontro –foi logo dizendo. – Pois foi por causa disto aqui.
Mostrou um recorte de jornal que os rapazes olharam, sem entender.
– Mas vocês não sabem ler? Ela, impaciente. – Isto é uma notícia de ontem. Diz que lá na Paraíba dois homens, o Francisco Adonias Silva e o João Oliveira, brigaram a faca por causa de uma mulher, a Maria Alice. Agora, vocês sabem que idade tem o Silva? Sessenta e quatro. O Oliveira? Sessenta e dois. A Maria Alice já é mais novinha? Tem só sessenta anos. Um broto, como se dizia antigamente.
Eles olhavam o recorte, incrédulos: seria verdade? Dois sessentões brigando a faca? Com reumatismo e tudo?
– Claro que é verdade –continuou ela. – Claro que é verdade. Sim, eu sei o que vocês vão me dizer, que isto aconteceu lá na Paraíba, onde o pessoal é de briga. Mas o ponto não é esse. O ponto é o seguinte: faz um ano que vocês dois correm atrás de mim. Os dois dizem que me amam, que dariam a vida por mim. Mas até hoje vocês não fizeram nada de concreto para provar essa paixão. Nada. Esses dois paraibanos brigaram de faca por causa de uma mulher, de uma velha. Um duelo como os de antigamente. E vocês, por mim, não fizeram nada.
De novo, eles se olharam: fazer? Mas o que é que tinham de fazer? Brigar. Brigar a faca? Mas eu nem faca tenho, disse o primeiro. E eu só tenho um canivete, acrescentou o segundo, que nem sei onde está. Indignada, ela se levantou:
– Pois fiquem sabendo que não quero mais nada com vocês. Quando vocês estiverem dispostos a mostrar que me amam, me procurem. Adeus.
Foi-se. Eles ficaram ali, sentados, meio descoroçoados. Pediram uma cerveja, depois outra e outra, e acabaram saindo dali bêbados, abraçados, e convencidos de que duelo é coisa de antigamente.

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