São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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Petróleo, probabilidade e monopólio

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

Ao jovem pastor foi confiada a guarda do rebanho no fim de semana. Entediado, resolveu quebrar a monotonia e lançou o alarme. Gritou "lobo", até que assustados acorreram vizinhos de todos os cantos para acudi-lo. Riu muito o jovem com a estardalhaço que causou. Na semana seguinte outra vez ouviu-se o alarme. Ninguém veio, e os lobos comeram o rebanho e o pastor.
O Presidente da República, o ministro de Minas e Energia e o Presidente da Petrobrás anunciaram a descoberta de grande reserva de petróleo. Não, senhores, não se trata destes quatro campos descobertos na Bacia de Campos nesta última semana. Mas daquela portentosa reserva da Amazônia proclamada durante o governo Sarney. E até hoje um pingo sequer de petróleo foi extraído. E como o fiasco da descoberta de reservas na Amazônia já não era o primeiro alarme falso, poucos acreditaram. Eis porque suscita ceticismo esse bambástico anúncio de uma providencial e milagrosa descoberta simultânea de quatro novos campos de petróleo na província de Campos. Mas nesse caso há outras razões para dúvidas.
O primeiro motivo de incredulidade decorre do próprio anúncio feito pela Petrobrás de aumento das reservas brasileiras de 9 bilhões para 10 bilhões de barris. Esta informação conflitava com documentos da Petrobrás desde inícios de 1993 que já indicavam um volume de 10 bilhões de barris para as reservas brasileiras. Este desencontro de informações autorizava suspeitas de que descobertas antigas, já incorporadas no inventário da Petrobrás, somente agora estavam sendo anunciadas. E essa é a mais generosa hipótese.
Todavia, para que o leitor compreenda melhor essa questão de reservas, devemos deixar claro os procedimentos e conceitos que qualificam recursos no setor de petróleo. O Conselho Mundial de Energia discrimina as reservas em dois blocos principais. "Reservas Recuperáveis Comprovadas", e nessa categoria, no inventário publicado em meados de 92 (Survey of Energy Resources 1992), é atribuido ao Brasil um volume igual a 2,85 bilhões de barris. Além dessa categoria são também inventariadas as "Reservas Recuperáveis Adicionais Estimadas", em que o grau de certeza é muito menor e variável. Nessa categoria é atribuido ao Brasil o volume de 5,74 bilhões. Ou seja, um total de 8,56 bilhões de barris, muito próximo, portanto, dos 8,8 bilhões que afirma o diretor de pesquisa eram as reservas globais do Brasil em Dezembro de 93. Os dados do Conselho Mundial foram atualizados em dezembro de 90. Se acreditarmos na Petrobrás teríamos que deduzir que não houve praticamente "descoberta" nenhuma em todo o Brasil desde o início de 91 até esta espetacular revelação de quatro novos campos há poucos dias, por mais que três anos, portanto. Este é um dado que permitirá avaliar a probabilidade dessa mesma ocorrência.
Há, por certo, um momento relativamente bem determinado por eventos precisos, ao qual se atribue uma descoberta de um poço ou campo. Segue-se um ritual burocrático até que a informação seja homologada pela diretoria e levada ao conhecimento de acionistas e da Bolsa. Como a empresa não pode sonegar informações dessa importância sem que se caracterize crime, para que as quatro descobertas possam ter sido anunciadas no mesmo dia devemos supor que os eventos técnicos que constituiram as quatro descobertas não podem estar distribuídas em períodos muito maiores que uma semana. Se supusermos que as descobertas se distribuiram em período muito maior que uma semana não poderíamos justificar, com argumentos puramente técnicos, o anúncio em um único dia.
Tivemos, portanto, a ocorrência de quatro eventos em uma única das 160 semanas decorridas após a atualização do inventário do Conselho Mundial de Energia. Admitindo que esta semana não foi pré-estabelecida, teremos a probabilidade de ocorrência simultânea das quatro descobertas na mesma semana é (40)-3, ou seja de menos que duas vezes em cem mil. Não é portanto uma probabilidade muito elevada. As séries históricas com descobertas triviais que a Petrobrás possa invocar não interferem nesta avaliação pois esta se restringe a descobertas de porte relativamente elevado. Também é irrelevante o número de sondas e de poços pioneiros. É claro que esta avaliação é meramente aproximada, mas serve para mostrar que a probabilidade das quatro descobertas ocorreram em uma mesma semana é ridiculamente pequena. Muito menor ainda é a probabilidade de quatro "descobertas" na semana que precede a revisão constitucional, ou outra semana qualquer predeterminada. Esta seria de cinco em 10 milhões. A Petrobrás afirma, através de um de seus diretores, a partir de suas séries históricas e do número elevado de poços pioneiros por ano que a probabilidade de encontrar três poços dessa magnitude, simultaneamente é de 83%. Viva o Brasil. Neste caso a descoberta de um poço por semana será certa. O difícil será explicar como passou a Petrobrás mais de três anos sem encontrar nenhum campo de importância. E mais ainda, de agora em diante o compromisso é imenso. Até o fim do ano o Brasil estará ultrapassando a Arábia Saudita. Ou será que a Petrobrás acumula por três anos todas as suas descobertas e só anuncia e informa a Bolsa e seus acionistas quando lhe convém?
Pode não ter acontecido um milagre, mas então há um mistério insondável. Fica cada vez mais difícil, mesmo para um "nacionalista visceral", defender o monopólio do Petróleo.

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