São Paulo, domingo, 13 de março de 1994
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Plantando nos campos da arara

VICTOR AGOSTINHO
ENVIADO ESPECIAL A ITUBERÁ (BA)

Neste exato momento uma expedição com oito pesquisadores brasileiros e norte-americanos vasculha a área conhecida como Raso da Catarina, no interior da Bahia, para coletar sementes da palmeira licuri (Syagrus coronata). Esta é a primeira etapa de um projeto para salvar da extinção as araras-azuis de lear (Anodorhynchus leari), que se alimentam da amêndoa do fruto do licuri. As sementes coletadas vão ser desenvolvidas em viveiros e reintroduzidas na região para consumo das araras. Os últimos 70 exemplares selvagens da arara-azul de lear vivem no sertão baiano.
O projeto está sendo pilotado pelo pesquisador norte-americano Charles Munn, 39, do Wild Life Conservation Society, de Nova York. A entidade atualmente desenvolve 165 projetos de conservação em 45 países, quase todos tropicais.
Em entrevista por telefone à Folha, Munn se colocou como um consultor que vai ajudar com know-how pesquisadores brasileiros. Mas sua participação não é só essa: através dele estão sendo carreados inicialmente para a preservação das araras de lear US$ 60 mil, provenientes de entidades ambientalistas e de criadores internacionais.
Essa verba será suficiente para iniciar o projeto, acredita Danilo Viana Lima, 30, engenheiro agrônomo que vai desenvolver na Fazenda Piauí, em Ituberá (sul da Bahia), as mudas de licuri. Viana Lima conta que os viveiros vão produzir 50 mil mudas, mas que apenas 30 mil delas –"as geneticamente perfeitas"– deverão ser introduzidas no Raso da Catarina.
"Vamos coletar as sementes na restinga e no semi-árido, porque lá as palmeiras já estão mais adaptadas ao clima inóspito e, possivelmente, terão menos dificuldades", disse Viana Lima. Faz três anos que não chove na região.
"Por falta de ração e capim, bodes e bois que são criados na região comem o licuri quando ele começa a germinar. Para salvar as araras, o ponto de partida é conseguir alimentos para elas. Sem alimentação, outros esforços podem ser inúteis", afirmou Viana Lima.
O primeiro container com germinadores para as mudas já foi adquirido pelo projeto. A estimativa dos pesquisadores é de que, em dois anos, as palmeiras comecem a ser transferidas dos viveiros no sul da Bahia e transportadas em caminhões para o sertão. Já o ciclo reprodutivo dessas palmeiras deve se completar em oito ou dez anos.
Na fase de plantio no sertão, as mudas precisarão ser adubadas e irrigadas com carros-pipa. A tecnologia de transplante das palmeiras adultas vai ser adquirida na Universidade da Florida, em Fort Lauderdale (EUA), com o professor Alan W. Meerow, também integrante do projeto de preservação.
Frutos amarrados
Enquanto as palmeiras não crescerem, as araras vão ser alimentadas com cachos de frutos de licuri, que ficarão amarrados nos troncos das palmeiras na região. "É importante concentrar comida em fazendas seguras, onde sabemos que elas não vão sofrer nenhum tipo de ataque", disse Munn. Para se alimentar, hoje as araras voam cerca de 60 quilômetros, distância que separa os barrancos onde fizeram seus ninhos e os locais seguros com palmeiras de licuri.
Pedro Lima, 36, ornitólogo "emprestado" da Empresa de Proteção Ambiental do Pólo Petroquímico de Camaçari ao projeto de preservação, afirma que somente um estudo mais detalhado dessas araras-azuis poderá salvá-las. Segundo ele, "pouco se sabe dos hábitos dessas aves".
É verdade. Até o tempo de vida desses bichos gera polêmica entre especialistas. O Zoológico de São Paulo, que possui apenas um indivíduo da arara-azul de lear, não sabe estimar a vida dessa espécie num ambiente selvagem. Werner Bokermann, chefe do setor de aves, arrisca que ela "pode viver 20 anos ou mais". Munn acredita que em cativeiro uma arara-azul de lear vive cerca de 65 anos. Em ambiente selvagem, "uns 35 anos". Para Pedro Lima, uma arara solta e com alimentação abundante vive por volta de 80 anos.
Lima conta também que há cerca de uns 50 anos as araras faziam parte, por falta de opção, do cardápio dos sertanejos que moravam na região de Canudos, Monte Santo e Euclides da Cunha. "Antes, eles caçavam as araras para comer. Hoje, alguns poucos caçam para vender. Na captura das araras são usadas armadilhas com lastros onde elas se enroscam e não conseguem voar. A sorte é que elas vivem em encostas e barrancos de difícil acesso para os caçadores".
Munn pretende transferir aos pesquisadores brasileiros o know-how de identificação de araras que adquiriu no Peru e na Bacia Amazônica. Nestes locais, elas são identificadas por fotos, sem serem capturadas ou marcadas. "O bico da arara tem tantas informações quanto o rosto ou a impressão digital de um ser humano. As ranhuras, manchas, furos e formatos diferentes do bico servem para fazermos a listagem das araras", disse.
Orgulho
Em comparação com outras espécies de animais, a preservação da arara-azul de lear acaba sendo uma tarefa fácil, segundo os pesquisadores. "Ela só precisa de comida e um pouco de proteção. Seu hábitat não tem que ser reconstituído. Se tiver alimento, pode em pouco tempo deixar de ser ameaçada pela extinção. Até a população deve ajudar. Eu pude perceber: os moradores são muito orgulhosos de ter as araras como vizinhas", afirmou Munn.

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